Em meio a decreto de emergência por coronavírus, mais de 200 brasileiros estão na Tailândia

Embaixada do Brasil em Bangcoc viabilizou voo fretado com passagem que ultrapassa os R$ 10 mil

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Por Marina Aragão
Atualização:

Com a iminência do decreto de estado de emergência na Tailândia pelo novo coronavírus, a partir desta quinta-feira, 26, mais de 200 brasileiros estão “presos” no país. Entre as restrições da medida, prevista para durar até 30 de abril, está a proibição de viagens. Companhias aéreas cancelaram voos e os brasileiros permanecem no país. De acordo com a Embaixada do Brasil em Bangcoc, 365 brasileiros estão retidos em países do sudeste asiático – além da Tailândia, Camboja, Laos, Mianmar e Vietnã.

Profissional de Relações Públicas, Amanda Neves, 28 anos, pretendia viver como “nômade digital” e passar um período na Tailândia, onde está desde o fim de 2019, fazendo trabalhos freelancer de produção de conteúdo. Em seguida, iria para o Vietnã dar aulas de inglês para crianças. “Resolvi fazer do mundo meu escritório, mas agora o mundo não é um lugar seguro”, disse. A situação virou. Desempregada e sem dinheiro, Amanda está trabalhando voluntariamente no bar de um hostel na cidade de Pai, no norte tailandês, em troca de hospedagem – um colchão no chão para dormir – e três refeições ao dia. “Vendi meu carro para viajar e o dinheiro já foi quase todo. Acho que não resta nem R$ 2 mil”.

Rafael Borges e Ana Carolina Molina estão na Tailândia Foto: Arquivo pessoal

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Amanda contou ao Estado que sofreu um acidente de moto na semana passada, está com alguns ferimentos no corpo e uma lesão na costela, que dificulta a respiração. No entanto, afirmou que não vai ao médico pois não quer gastar mais dinheiro. “Estou com medo de ir ao médico porque a franquia do meu seguro é US$ 100. Nesse momento, US$ 100 é muito dinheiro e não posso me dar ao luxo de gastar porque talvez tenha de pagar a passagem de volta para o Brasil”, explicou.

Irmã mais velha dentre três filhos, ela teme pela mãe, desempregada, e os dois irmãos, de sete e 14 anos – o mais velho tem asma crônica e se encaixa no grupo de risco para o novo coronavírus. Natural de Atibaia, no interior de São Paulo, Amanda conta que quer voltar logo, mas nem sabe ainda onde fará quarentena, já que não pode ficar em casa com seus familiares. Ela é organizadora de uma lista com nomes e contatos de brasileiros que estão na mesma situação – retidos no sudeste asiático.

Dois deles são o empresário Rafael Borges, 36 anos, e a mestranda em Administração e Marketing Ana Carolina Molina, 25 anos. Recém-casados, chegaram à pequena ilha de Koh Lipe, na Tailândia, no último dia 9, para passar a lua de mel. O casal pretendia voltar ao Brasil no próximo domingo, 29. No entanto, de acordo com Rafael, a empresa na qual eles compraram as passagens não atendeu às ligações nem deu suporte algum nesse momento de crise. O empresário citou, ainda, os vários brasileiros que também tiveram seus voos cancelados e estão reunidos nos aeroportos tailandeses. Ele disse que optou por pagar algumas diárias em Bangcoc a se arriscar no aglomerado de pessoas, com a possibilidade de se infectar com o novo coronavírus. A Tailândia registrou, até o momento, 934 casos e quatro mortes pela covid-19.

Se conseguir chegar ao Brasil, há outro agravante. Recém-casados, Rafael e Ana Carolina pretendiam fazer as compras do “chá de casa” quando voltassem da lua de mel. Mas, com o comércio fechado e a obrigação de fazer quarentena, o casal terá de contar com a ajuda de familiares para lhes fornecerem utensílios básicos, como talheres, por exemplo.

Além disso, Rafael, que trabalha com vendas em uma empresa de informática, contou que está “tudo parado”. “A gente não pode trabalhar porque não pode ter expedição (de mercadorias) e não dá nem para fazer home office. As contas vão chegar e a gente não tem como pagar”, lamentou. Já Ana Carolina iria apresentar sua dissertação de mestrado neste mês de março. Além da incerteza em relação a uma nova data, as bolsas foram cortadas.

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Por terem de antecipar tudo, o casal perdeu três diárias do hotel Koh Lipe e cerca de R$ 10 mil com as passagens que não foram reembolsadas até o momento, além das diárias que terão de custear em algum hotel de Bangcoc – medida necessária até que consigam voltar ao Brasil.

A Embaixada organizou um questionário e pediu que os brasileiros em busca de repatriação respondessem. Em uma das perguntas, o consulado questiona “se sua única opção de retorno é de repatriação custeada pelo governo brasileiro, você tem condições de se sustentar na Tailândia por até um mês?”. Apenas 25% dos brasileiros responderam que “sim”, os outros 75% disseram “não” ou “talvez”.

O que diz a Embaixada

A Embaixada do Brasil em Bangcoc criou grupos de WhatsApp para mandar comunicados de urgência. Nesta quarta-feira, 25, o Setor Consular recomendou aos brasileiros que ainda estejam nas praias e cidades do interior da Tailândia “considerar antecipar seu deslocamento para Bangcoc o quanto antes, caso tenham previsão ou desejem embarcar para o Brasil nas próximas semanas (exceto aqueles que têm voos previstos para o Brasil com partidas nas províncias)”.

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De acordo com o comunicado, embora ainda não se saiba se haverá ou não restrição de locomoção entre cidades da Tailândia, a Embaixada entende que a capital “tem maior oferta de serviços hoteleiros, hospitais e aeroportos. Eventual assistência consular será igualmente mais fácil a partir de Bangcoc”.

Também nesta quarta, a Ethiopian Airlines confirmou que disponibilizou 216 lugares em voo comercial partindo de Bangcoc com destino a São Paulo (escala em Adis Abeba), no próximo sábado, 28. A passagem custa US$ 2.078 – mais de R$ 10 mil.

Já na madrugada desta quinta-feira, 26, a Embaixada enviou um comunicado aos brasileiros informando que o voo da Ethiopian Airlines estará disponível também para reserva online no site da própria empresa. Anteriormente, os brasileiros deveriam aguardar a reserva por e-mail. Ainda há a opção de ir presencialmente ao escritório da Ethiopian.

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“Para evitar aglomerações e facilitar as formas de pagamento, a companhia decidiu, com o apoio da Embaixada, diversificar as formas de atendimento e abrir mais uma opção. Não haverá garantia de prioridade, por isso, reservem imediatamente se não quiserem perder o voo. O pagamento online poderá ser realizado normalmente com cartão de crédito”, disse o consulado. Na quarta, a Embaixada havia informado que os interessados só poderiam pagar a reserva em dinheiro e “não seria possível garantir outras formas de pagamento”.

Ainda segundo o consulado, o valor da tarifa pode ser menor ou maior do que o inicialmente acordado (mais de R$ 10 mil). “Provavelmente menor, em torno de US$ 1.675”, o equivalente a pouco mais de R$ 8,4 mil.

Ao saberem do valor que poderiam pagar pelas passagens na quarta-feira, os brasileiros reclamaram. “Tem gente sem dinheiro para comer, a situação está cada dia mais caótica aqui”, reclamou Rafael Borges. Após os questionamentos, a Embaixada enviou, via WhatsApp, mensagem afirmando que reconhece que muitos brasileiros retidos na Tailândia e região não terão condições de embarcar nesse voo da Ethiopian Airlines no próximo sábado, especialmente pelo custo da tarifa do bilhete. Mas, de acordo com o consulado, “ninguém será esquecido”.

Diante do risco de saúde e desvalimento na Tailândia em decorrência da pandemia do novo coronavírus, a Embaixada também pediu que os brasileiros preencham um formulário “com especial atenção dos seguintes grupos de vulneráveis: idosos, menores de idade e pessoas em situação de desvalimento econômico”. “A informação colhida será utilizada para avaliarmos as possibilidades de ações de assistência consular básica aos mais necessitados, enquanto não se definem alternativas de retorno ao Brasil."

“Reiteramos que a Embaixada está atuando em diversas frentes para garantir o retorno de todos os brasileiros e que outras oportunidades de voo poderão ser abertas no futuro”, finalizou a Embaixada.

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