Em novo mandato, Cristina adota medidas impopulares e causa incertezas

Segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, fim de subsídios e desvalorização do dólar podem causar incerteza e voltar a opinião pública contra a presidente.

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Por Marcia Carmo
Atualização:

Duas semanas após ser reeleita, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, iniciou a implementação de ajustes da política econômica de seu marido e antecessor, Nestor Kirchner (2003-2007), como o fim de subsídios e mudanças na política cambial - medidas que, segundo analistas, podem causar incerteza e voltar a opinião pública contra o governo. Neste período de oito anos, o país registrou forte expansão econômica e de consumo, com a moeda desvalorizada, estabilidade financeira, tarifas de serviços públicos congeladas e uma inflação tida por muitos como "maquiada" desde 2007. Na semana passada, em uma tentativa de conter a fuga de capitais registrada nos dias anteriores, o governo aumentou o controle para a venda de dólares no país. A moeda americana funciona como referência para os argentinos, tanto na hora de poupar quanto de comprar imóveis, por exemplo. "Sabemos quanto cada pessoa recebe, quanto gasta e se tem ou não dinheiro sobrando para comprar dólares", afirmou nesta semana o diretor da Afip (Administração Federal de Ingressos Públicos, equivalente à Receita Federal), Ricardo Echegarray. Se o órgão entender que o comprador não tem recursos para a compra da moeda americana, não autorizará sua venda nos bancos ou casas de câmbio. 'Verdadeiro opositor' "O dólar pode se transformar no verdadeiro opositor do novo governo", escreveu o colunista Eduardo van der Kooy, do Clarín, jornal critico do governo, sugerindo que a medida poderia gerar mau humor na classe média argentina. Desde a semana passada, a Afip enviou fiscais, com cães, para as filas das casas de câmbio para fiscalizar os motivos da compra da moeda americana, gerando criticas dos analistas. O professor de Economia Pública da Universidade Católica Argentina (UCA), Gerardo Sanchis Muñoz, disse à BBC Brasil que a medida poderia provocar "incertezas" entre os argentinos. "Se as instituições fossem respeitadas, o governo precisaria de uma ação judicial para mandar soldados para as filas de câmbio. Mas na Argentina, o regime presidencialista é concentrado e assim funciona, há pelo menos vinte anos. Mas este estilo se intensificou a partir do governo (Nestor) Kirchner e continuou com Cristina." O economista Orlando Ferreres, da consultoria Ferreres e Associados, afirmou que o governo não implementou "uma só medida impopular" desde 2003, e que era esperado que o governo implementasse alguns ajustes. "Era esperado que o governo reduzisse os subsídios para diminuir seu gasto público e organizar seu caixa, ainda mais num momento de fuga de capitais. Mas o que não era esperado é que mandasse controlar a venda de dólares, moeda de referência para os argentinos", disse ele à BBC Brasil. Cristina foi reeleita com ampla margem de votos frente aos candidatos opositores. Por isso a referência agora ao dólar como possível "verdadeiro opositor" diante da fragilidade dos opositores políticos nas urnas. Segundo o economista Marcelo Elizondo, da consultoria DNI, a presidente, que dá início ao novo mandato no dia 10 de dezembro, pode estar "arrumando a casa" antes da posse. No entanto, para especialistas, a maior dúvida é quando e como o governo reconhecerá "a inflação real", como afirma o economista Ernesto Krtiz, da Sel Consultores. Fim de subsídios Nesta quarta-feira, os ministros da Economia, Amado Boudou, e do Planejamento, Julio de Vido, anunciaram a eliminação da transferência de recursos do governo, chamados de subsídios, para bancos, empresas e até cassinos e hipódromos, que assim deverão pagar mais pelo fornecimento de água, luz e gás. A ajuda do governo foi decisiva para manter congeladas as tarifas dos serviços públicos privatizados, nas empresas e residências, apesar da disparada da inflação registrada recentemente. A expectativa é que o governo elimine a transferência de recursos para outros setores o que poderia provocar a alta no preço das tarifas para o consumidor final como se especulou na imprensa local. "Queremos continuar trabalhando para combater a desigualdade social. Ninguém pode receber subsídio do governo se dele não precisa", disse Boudou. A interpretação dos especialistas foi a de que os que ganham mais poderiam passar a pagar mais pelos serviços e os que ganham menos pagariam tarifas menores. Aumento no metrô O prefeito de Buenos Aires, o opositor Mauricio Macri, disse que o fim do repasse de verbas do governo central para o metrô da cidade, por exemplo, deverá triplicar o preço do bilhete, passando de 1,10 pesos para 3,30 pesos. "Esse é o valor que estimamos porque o metrô era responsabilidade do governo nacional, e não do governo municipal", disse Macri. Num artigo no jornal La Nación, o economista Roberto Cachanosky disse que o corte nos subsídios "pode ser apenas a ponta do iceberg do que virá" no novo mandato. "O governo anunciou corte de uma parte mínima dos subsídios, mas pode ser um sinal das próximas medidas do governo", afirmou. Para ele, o governo poderia estar resolvendo os problemas que "varreu durante muito tempo para debaixo do tapete", como o congelamento das tarifas. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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