
09 de agosto de 2011 | 12h27
As reformas sociais propostas pelo governo francês após os distúrbios na periferia de Paris em 2005 fracassaram e a falta de opções para os jovens desfavorecidos pode servir de combustível para um novo surto de violência, segundo o consultor em prevenção urbana Yazid Kherfi
À violência que atingiu as periferias francesas em 2005, após a morte de dois jovens, seguiu-se um plano para integrar as classes desfavorecidas e os imigrantes.
As políticas foram colocadas em prática pelo atual presidente francês, Nicolas Sarkozy - o mesmo que, em 2005, ocupava o ministério do Interior e era o alvo principal da ira dos jovens da periferia.
Mas a crise financeira determinou cortes orçamentários e as políticas sociais não escaparam da tesoura governamental.
"Gastaram muito dinheiro com as paredes e esqueceram dos jovens", disse à BBC Brasil Kherfi, que também é presidente da associação Pouvoir d'Agir, que luta para integrar os jovens de Clichy-sous-Bois - palco dos principais tumultos - na sociedade.
Segundo o consultor, o governo francês se concentrou na reforma das habitações sociais, em detrimento de políticas sérias de integração.
Panela de pressão
Uma pesquisa recente, publicada pela rádio France Bleu, mostra que 43% dos franceses acreditam que a situação nas periferias do país piorou desde os distúrbios de 2005.
A opinião reflete números oficiais, que mostram que a taxa de desemprego entre os jovens chega a 40% em algumas localidades, o dobro da média nacional.
"É uma panela de pressão, com a tampa prestes a explodir", disse o sociólogo francês Jean-Marc Stébé à BBC. Autor de diversas obras sobre as periferias, ele já deu a volta ao mundo estudando o fenômeno da violência nos arredores das grandes cidades.
"Os jovens estão pessimistas. Eles recebem propostas de trabalhos ruins e salários baixos. Muitos acabam voltando-se para atividades melhor remuneradas, como o tráfico de drogas ou armas, o que gera mais conflitos com a polícia."
Apesar da calma relativa dos últimos anos, oa especialistas alertam que risco de uma nova onda de violência opondo jovens das periferias francesas e forças policiais é real.
Para que as revoltas atravessem o Canal da Mancha e voltem a tomar conta da França, "basta apenas um drama, como a morte de um jovem por policiais", garante Kherfi.
Semelhanças
O mesmo caos que reina nos bairros de Londres e na periferia da capital inglesa nos últimos dias já ocorreu na França. Em novembro de 2005, a morte de dois adolescentes causou uma onda de violência que durou quase um mês e espalhou-se por todo país.
Assim como em Londres, tudo começou com uma morte acidental, envolvendo jovens desfavorecidos e a polícia. Zied Benna, de 17 anos, e Bouna Traoré, de 15, morreram ao refugiarem-se em uma central elétrica quando fugiam de controle policial, em Clichy-sous-Bois, a menos de 20 quilômetros do centro de Paris.
Os dois adolescentes levaram um descarga elétrica fatal. O confronto causou estragos milionários, deixou dezenas de feridos e centenas de carros e de comércios reduzidos à cinza.
"Não houve vencedores. Depois de terem exteriorizado todo o ódio, eles decidiram parar", contou Yazid Kherfi.
Para Stébé, os manifestantes das periferias de Londres e de Paris são a parte esquecida da população. "Na França, fala-se cada vez mais em gueto, mas na Inglaterra também existem zonas que, apesar de estarem no centro da cidade, são homogêneas", diz o sociólogo.
"É um tipo de gueto, com pessoas originárias da imigração, que são vistas de maneira estranha pela polícia, por serem negros ou indianos."
Stebé diz ainda que as sociedades inglesa e francesa atravessam, há 20 anos, uma crise que ocorre em diversos países ocidentais, ricos e industrializados.
Essa crise, segundo o especialista, é causada pelo empobrecimento das grandes potências, agravada pela atual recessão da economia mundial.BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.