Em quem você confia?

Obama mostrou amadorismo com a crise síria e viu-se numa posição na qual não queria estar; agora uma figura improvável jogou-lhe uma boia: Putin

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Por É COLUNISTA , MAUREEN , DOWD , É COLUNISTA , MAUREEN e DOWD
Atualização:

Vladimir Putin, que mantém Edward Snowden na correia e deixa membros de uma banda de garotas rebeldes apodrecerem na cadeia, atirou uma boia de salvação ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. O presidente russo havia friamente criticado Obama sobre Snowden e a questão da Síria e, ainda na semana passada, chamou o secretário de Estado John Kerry de mentiroso. Agora que está claro que Obama não conseguirá convencer o Congresso dos EUA, o público americano, sua própria mulher, o mundo, Liz Cheney ou até Donald "Choque e Pavor" Rumsfeld a bombardear a Síria - ainda que só um pouquinho -, Putin aparece, sem camisa, para o salvamento, oferecendo-lhe uma maneira de salvar pelo menos as aparências?Se fosse num filme, nós saberíamos que era um truque. Não se pode confiar no desalmado Putin - botox deu ao ex-agente da KGB um rosto ainda mais impassível - ou no cruel ditador sírio, seu aliado, Bashar Assad. Na terça-feira, Putin, o pacificador, já estava impondo condições. Enquanto Obama e Kerry - com a ajuda de Hillary e alguns senadores - sopravam e bufavam que fora sua ameaça militar que trouxera a novidade, Putin agia para neutralizá-los, dizendo que eles teriam de abandonar sua ameaça militar para algum acordo poder prosperar.O entrechocar de sabres do governo mais pareceu joelhos chocalhando. Que saudade dos bons velhos tempos em que Obama liderava de trás. Agora, esses caras estão liderando por escorregões da língua. O amadorismo começou quando Obama vacilou sobre a Síria e não conseguiu explicar o que estava em jogo ali. Ele sofreu uma escalada em agosto de 2012 com um escorregão do metódico artesão das palavras sobre "uma linha vermelha" - que o presidente e Kerry mais tarde tentaram corrigir como a linha vermelha para o mundo, mesmo que o mundo estivesse desviando o olhar. A liderança ambígua, vacilante, de Obama levou-o ao exato lugar onde ele não queria estar: unilateral em vez de unificado. De novo, como no caso do controle de armas e outras questões, ele não fez o trabalho de base necessário para angariar apoio. A abordagem canhestra atingiu o clímax com duas observações desastradas de Kerry, mostrando dificuldade para exercer o papel de uma vida. Durante uma coletiva à imprensa em Londres na segunda-feira, ele ofereceu a desistência do ataque se Assad entregasse "cada pedacinho de suas armas químicas à comunidade internacional" e prometeu que, se eles atacassem, seria um esforço "incrivelmente pequeno". Uma porta-voz do Departamento de Estado desmentiu o primeiro escorregão de Kerry, mas quando a Casa Branca percebeu que era o único sinal de saída de emergência à vista, Kerry desmentiu o desmentido, afirmando no Congresso, na terça-feira, que ele não "se expressara mal". O presidente corrigiu o segundo escorregão de Kerry com Savannah Guthrie da NBC na noite de segunda-feira, declarando que "os EUA não dão alfinetadas", repetindo o que Kerry tinha dito na terça-feira.Para garantir, Obama, em seu pronunciamento à nação na terça-feira à noite, assegurou o que o mundo sabia: "Os militares dos Estados Unidos não dão alfinetadas". Onde o irresponsável seguro (George W.) Bush adotou uma folha de parreira diplomática para usar a força no Iraque, o responsável inseguro Obama está adotando uma folha de parreira de força para usar a diplomacia na Síria. Enquanto os democratas se afastavam na ponta dos pés da linha vermelha, ansiosos para chutar para o futuro a lata de sarin, sua própria retórica áspera os assombrava. Kerry comparou Assad a Hitler na semana passada e Harry Reid evocou "campos de extermínio nazistas" no plenário do Senado na segunda-feira. De novo, um eco dos equívocos no Iraque. Ao defender sua proposta hiperbólica de guerra, Bush ficou ofendido com os alemães numa visita, em 2002, irritado por eles não parecerem captar o horror de "um ditador que atacava com gás seu próprio povo", como ele disse a um repórter em Berlim. Obama chorou sobre as crianças vítimas do tiroteio de Newtown. Ele está chocado, como disse em seu discurso de terça-feira, com "imagens de crianças se retorcendo de dor e morrendo num chão frio de hospital" sob efeito de "gás venenoso". Ele achava - ou achava que achava - que vingar o ataque com gás era a coisa certa a fazer. Mas Bush, mais uma vez assombrando a presidência de seu sucessor, drenou credibilidade, recursos e compaixão. Apesar de a maioria dos americanos estremecer ante a notícia de que 400 crianças foram mortas por um monstro, elas se retraem sobre o Oriente Médio agora: estão saturados de xiitas contra sunitas, de alauitas e todos os ódios antigos. Kerry pode bravatear que "não vamos esperar muito" para Assad cuspir as armas, mas será difícil para ele sustentar isso, dado que uma nova pesquisa NBC/Wall Street Journal indica que o americano normal é agora um pacifista; em 2005, 60% dos republicanos concordaram com Bush que os EUA deviam promover a democracia no mundo; agora, somente 19% deles acreditam nisso. Bush, Dick Cheney e Rumsfeld lançaram um esquema de engenharia social para mudar a mentalidade no Oriente Médio sobre democracia e a mentalidade em casa sobre a relutância pós-Vietnã em usar a força para impor valores por meio da guerra. Eles conseguiram mudar drasticamente a mentalidade no Oriente Médio e em casa, mas no sentido inverso ao que pretendiam. Humilhado após o 11 de Setembro, o país ficou feliz de punir um vilão árabe, mesmo que o errado. Essa ilusão em massa, mais o turbilhão econômico, lançou os americanos num estado de humilhação permanente. E isso é muito ruim. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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