Encorajado por teorias da conspiração, trumpismo resiste no interior dos EUA

Trump volta a realizar comícios para tentar se manter relevante dentro do partido; maioria dos republicanos acredita na tese de que a eleição de 2020 foi fraudada e prefere apoiar candidatos que concordam com as posições do ex-presidente

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Por Beatriz Bulla
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WELLINGTON, EUA - “Deixe-me perguntar uma coisa: quem é o presidente de vocês?”, questionou a deputada Marjorie Taylor Greene a milhares de republicanos no sábado à noite. “Trump! Trump! Trump!”, respondeu a multidão. Turbinado por teorias da conspiração e com apoio da ala extremista do partido, o trumpismo mostrou que ainda pulsa no interior dos Estados Unidos no primeiro comício do ex-presidente desde que ele deixou a Casa Branca.

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Por uma hora e meia, Trump repetiu a sua antiga fórmula: disse que a esquerda radical pode acabar com o país, atacou a imprensa, os democratas, os imigrantes, defendeu os policiais e voltou a se queixar da eleição do ano passado. 

Na plateia, vige uma espécie de realidade paralela na qual só o que Trump e seus apoiadores mais radicais dizem está correto. “Eu me informo através das pessoas que sigo no Instagram”, disse a cabeleireira Jessica Popenfoose, ao lado de amigas que usavam camisetas com a frase “Trump Venceu”. 

Apoiadores vestiram-se dos pés à cabeça com roupas e acessórios com o nome do ex-presidente Trump Foto: Stephen Zenner/AFP

Jessica repete todo o roteiro de acusações contra a disputa do ano passado: diz que pessoas mortas votaram, que há cédulas de voto pelo correio fraudadas e um sistema eletrônico problemático. “Democratas sabiam que precisavam trapacear”, afirmou. A narrativa falsa de fraude foi propagandeada por Trump desde antes da eleição e repetida à exaustão pelos apoiadores que foram assistir ao ex-presidente em Ohio.

Joe Biden recebeu 7 milhões de votos a mais do que Trump e advogados do republicano não conseguiram sustentar em tribunais a hipótese de fraude. Mesmo assim, a maioria dos republicanos (63%) ainda acredita na tese, segundo pesquisa Monmouth University, divulgada há uma semana.

Com uma fita adesiva, o engenheiro aposentado Mark Gnatowski reciclou uma camiseta de apoio à campanha de 2020. Mais importante do que colocar “Trump 2024” foi apagar o nome do vice-presidente Mike Pence. No lugar, ele escreveu “DeSantis”, um sinal de apoio ao governador da Flórida, Ron DeSantis, que tenta se colocar como o sucessor de Trump no Partido Republicano. 

Gnatowski reclama que Pence “não fez o que deveria” para garantir a eleição de Trump. O republicano entrou na mira de ataques dos trumpistas por presidir a sessão do Congresso que certificou a vitória de Biden. Mesmo o ataque ao Capitólio é relativizado. “Algumas pessoas me dizem que só sabemos de uma parte da história”, disse Josh Basham, de 36 anos.

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Fora da presidência, banido das redes sociais e na mira de investigações criminais, Trump tenta provar que seu movimento sobreviveu ao fim do governo graças a uma redefinição do que é a base eleitoral republicana. Uma pesquisa da NBC, em abril, mostrou que, pela primeira vez, a maioria dos republicanos disse apoiar mais o partido do que a figura de Trump. 

Críticos do ex-presidente apontam o dado como sinal de fragilidade. As pesquisas que vieram depois, no entanto, mostram que ele não foi abandonado: 8 em cada 10 republicanos dizem preferir candidatos ao Congresso que concordam com Trump e 66% gostariam de vê-lo disputar a presidência em 2024. 

Ex-presidente americano Donald Trump em seu primeiro comício após deixar presidência, em Wellington, Ohio Foto: Shannon Stapleton/REUTERS

“Ainda é cedo para apontar o tamanho que Trump terá no futuro”, afirma Gary Nordlinger, professor da Universidade George Washington e especialista em estratégia política. “Mas ele é certamente a figura mais popular entre os republicanos.”

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Sua influência será medida nas eleições legislativas de 2022. Até lá, Trump quer ver derrotados os republicanos que votaram a favor de seu impeachment e, por isso, voltou aos comícios, chamados extraoficialmente de “turnê da vingança”. Em Ohio, ele fez campanha para Max Miller, um republicano que vai disputar as prévias do partido contra Anthony González – um dos dez deputados republicanos que votaram a favor de sua destituição. 

Vestidos dos pés à cabeça com roupas e acessórios com o nome do ex-presidente, eleitores republicanos enfrentaram um longo congestionamento para chegar e sair do local. Filas começaram a se formar às 14h e, como num festival de música, pessoas esperaram até as 20h pela atração principal sentadas no gramado de um parque de diversões no interior de Ohio comendo fatias de pizza. Um mar de gente reclamava quando os organizadores tiravam Trump da imagem dos telões, única forma de enxergar o presidente para quem estava no fundo do gramado. 

Elogiada por Trump, a deputada Marjorie Taylor Greene é 'persona non grata' entre alguns republicanos Foto: David Maxwell/EFE

As estrelas da noite mostram que Trump abraçou a ala mais radical do partido de vez neste retorno. O empresário Mike Lindell, um dos responsáveis pela divulgação de informações falsas pela eleição, circulava como celebridade. Um professor de matemática colocou no telão uma apresentação de powerpoint para argumentar que houve fraude no voto do ano passado. 

Já Greene, elogiada por Trump, é "persona non grata" entre boa parte dos círculos republicanos em Washington. Ela foi a primeira republicana eleita para o Capitólio que já defendeu abertamente a teoria conspiratória QAnon. Republicanos chegaram a ensaiar a expulsão de Greene do partido, mas recuaram. Assim como sinalizaram um rompimento com Trump após o ataque ao Capitólio e o absolveram de um impeachment.

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