28 de janeiro de 2022 | 05h00
Muita gente teme que a Europa pode estar prestes a enfrentar uma grave situação energética, enquanto a Rússia ameaça ações militares na Ucrânia. E por uma boa razão. A União Europeia depende da Rússia para ter cerca de 40% do gás natural que consome.
Alguns podem ver as ações da Rússia como o último suspiro de um petro-Estado antes que a transição energética tire do país poder geopolítico. Mas isso não passa de ilusão. A transição para uma economia com base em energia limpa pode, na verdade, dar mais poder ao presidente russo, Vladimir Putin.
The Economist: A energia como arma de Putin
Em um mundo pautado pelo “zero líquido” em emissões de carbono, grandes produtores de combustíveis fósseis – especialmente a Rússia – verão seu poder reduzido, assumindo-se que eles não encontrem maneira de reformular suas economias. Mas, nos próximos 10 a 20 anos, a transição energética criará oportunidades para os petro-Estados exercerem poder geopolítico e econômico.
Primeiro, esse período será marcado por volatilidade de preços, o que dará a um número limitado de produtores de petróleo e gás maior influência geopolítica. A transição para a energia limpa arrisca trazer consigo mais volatilidade de preços, por causa de desajustes entre oferta e demanda causados por investimentos insuficientes em energia.
O atual mercado de energia é um prenúncio do que está por vir. O investimento global em petróleo e gás atinge baixas recorde atualmente, como resultado da incerteza com relação à demanda em um mundo que leva o meio ambiente mais a sério e do terrível desempenho financeiro do setor petrolífero na década passada.
Esse baixo nível de investimento em petróleo e gás seria bem-vindo se fosse ocasionado por uma queda na demanda ou por um aumento no investimento em energia limpa a uma taxa que compensaria a queda de investimento nos combustíveis fósseis. Mas o consumo de petróleo e gás está aumentando, com perspectiva de manter-se nesse ritmo por anos. O investimento em energia limpa também está aumentando, mas não a uma taxa equiparável ao crescimento na demanda por energia.
Em segundo lugar, conforme a produção de petróleo e gás se afasta das grandes empresas públicas ocidentais, petrolíferas que pertencem a países com vastos recursos serão capazes de mais demonstrações de força. Algumas empresas pretendem reduzir a produção, e todas estão sob crescente pressão – juntamente com os bancos que as financiam – para migrar o investimento para fontes de energia neutras em emissões de carbono.
Ainda assim, a não ser que a demanda caia, a produção perdida por essas empresas ocidentais privadas será assumida, pelo menos em parte, por estatais de petróleo e gás, que são menos dependentes de financiamento privado. Isso elevaria o nível de fornecimento global controlado pela Opep e seus aliados e, com isso, a influência do cartel nos mercados globais de petróleo.
Em terceiro lugar, mesmo numa economia de emissões zero, quantidades substanciais de petróleo e gás ainda serão necessárias para a composição da matriz energética.
Os passos mais importantes que governos ocidentais podem dar são no sentido de desenvolver políticas que controlem a demanda por petróleo e gás e de aumentar o investimento em tecnologias de energia limpa. Mais ferramentas também são necessárias para mitigar a volatilidade dos preços, como estoques estratégicos de petróleo e gás.
Preparar-se para crises nas quais fornecedores de energia controlados por Estados sejam capazes de exercer peso geopolítico e econômico desproporcional deve ser prioridade para os líderes ocidentais./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
*O’SULLIVAN É PROFESSORA DA HARVARD KENNEDY SCHOOL E BORDOFF É CODIRETOR DA COLUMBIA CLIMATE SCHOOL
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