Energia limpa dá mais poder aos russos, que não são um petro-Estado falido; leia análise

Mesmo numa economia de emissões zero, petróleo e gás ainda serão necessários

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Por Meghan L. O'Sullivan e Jason Bordoff
Atualização:

Muita gente teme que a Europa pode estar prestes a enfrentar uma grave situação energética, enquanto a Rússia ameaça ações militares na Ucrânia. E por uma boa razão. A União Europeia depende da Rússia para ter cerca de 40% do gás natural que consome. 

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Alguns podem ver as ações da Rússia como o último suspiro de um petro-Estado antes que a transição energética tire do país poder geopolítico. Mas isso não passa de ilusão. A transição para uma economia com base em energia limpa pode, na verdade, dar mais poder ao presidente russo, Vladimir Putin.

Em um mundo pautado pelo “zero líquido” em emissões de carbono, grandes produtores de combustíveis fósseis – especialmente a Rússia – verão seu poder reduzido, assumindo-se que eles não encontrem maneira de reformular suas economias. Mas, nos próximos 10 a 20 anos, a transição energética criará oportunidades para os petro-Estados exercerem poder geopolítico e econômico.

Petrolífera Rosneft, naRússia; o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, se reuniu virtualmente com 280 congressistas dos Estados Unidos e pediu pela proibição da importação de óleo russo. Foto: Tatyana Makeyeva/AFP

Primeiro, esse período será marcado por volatilidade de preços, o que dará a um número limitado de produtores de petróleo e gás maior influência geopolítica. A transição para a energia limpa arrisca trazer consigo mais volatilidade de preços, por causa de desajustes entre oferta e demanda causados por investimentos insuficientes em energia. 

O atual mercado de energia é um prenúncio do que está por vir. O investimento global em petróleo e gás atinge baixas recorde atualmente, como resultado da incerteza com relação à demanda em um mundo que leva o meio ambiente mais a sério e do terrível desempenho financeiro do setor petrolífero na década passada.

Investimento

Esse baixo nível de investimento em petróleo e gás seria bem-vindo se fosse ocasionado por uma queda na demanda ou por um aumento no investimento em energia limpa a uma taxa que compensaria a queda de investimento nos combustíveis fósseis. Mas o consumo de petróleo e gás está aumentando, com perspectiva de manter-se nesse ritmo por anos. O investimento em energia limpa também está aumentando, mas não a uma taxa equiparável ao crescimento na demanda por energia.

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Em segundo lugar, conforme a produção de petróleo e gás se afasta das grandes empresas públicas ocidentais, petrolíferas que pertencem a países com vastos recursos serão capazes de mais demonstrações de força. Algumas empresas pretendem reduzir a produção, e todas estão sob crescente pressão – juntamente com os bancos que as financiam – para migrar o investimento para fontes de energia neutras em emissões de carbono.

Ainda assim, a não ser que a demanda caia, a produção perdida por essas empresas ocidentais privadas será assumida, pelo menos em parte, por estatais de petróleo e gás, que são menos dependentes de financiamento privado. Isso elevaria o nível de fornecimento global controlado pela Opep e seus aliados e, com isso, a influência do cartel nos mercados globais de petróleo.

Em terceiro lugar, mesmo numa economia de emissões zero, quantidades substanciais de petróleo e gás ainda serão necessárias para a composição da matriz energética.

Prioridade

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Os passos mais importantes que governos ocidentais podem dar são no sentido de desenvolver políticas que controlem a demanda por petróleo e gás e de aumentar o investimento em tecnologias de energia limpa. Mais ferramentas também são necessárias para mitigar a volatilidade dos preços, como estoques estratégicos de petróleo e gás.

Preparar-se para crises nas quais fornecedores de energia controlados por Estados sejam capazes de exercer peso geopolítico e econômico desproporcional deve ser prioridade para os líderes ocidentais./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*O’SULLIVAN É PROFESSORA DA HARVARD KENNEDY SCHOOL E BORDOFF É CODIRETOR DA COLUMBIA CLIMATE SCHOOL

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