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Enquanto os cientistas correm para entender a variante Ômicron, a desinformação já passou na frente

Os influenciadores antivacina estão alegando que a Ômicron foi "programada" e que seu advento tem o objetivo de desviar a atenção do julgamento de Ghislaine Maxwell

Por Gerrit De Vynck
Atualização:

SAN FRANCISCO - Em julho, uma apresentação de slides falsa com os logotipos da Organização Mundial da Saúde e do Fórum Econômico Mundial pretendendo mostrar um cronograma de quando as variantes do coronavírus seriam "lançadas" disparou nas redes sociais, acumulando milhares de curtidas no Twitter e no Instagram.

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Influenciadores antivacina postaram a imagem, citando-a como uma prova de que a pandemia foi orquestrada por interesses poderosos e que novas variantes da doença eram parte de um plano obscuro.

Avancemos para o final de novembro, quando cientistas sul-africanos identificaram a varianteÔmicron e avisaram que ela tinha um grande número de mutações. Enquanto as autoridades de saúde pública em todo o mundo alertaram as pessoas para que não tirassem conclusões antes que a variante pudesse ser estudada mais de perto, a imagem falsa circulou novamente nas redes sociais, postada por pessoas determinadas a pensar que a Ômicron era apenas o próximo passo de uma conspiração global.

Criança recebe dose de vacina da Pfizer-BioNTech em Lansdale, na Pensilvânia. Foto: REUTERS/Hannah Beier (05/12/2021)

Outras alegações falsas sobre a nova variante surgiram na Internet nas duas semanas após sua identificação. Uma postagem em um grupo com mais de um milhão de membros no Telegram alegou que as vacinas causaram a variante Ômicron, de acordo com a First Draft, uma organização sem fins lucrativos que investiga desinformação. Outra teoria da conspiração postula que a variante está sendo empurrada por governos e empresas farmacêuticas para minar a ivermectina, uma droga anti-parasita que os céticos da vacina dizem tratar da covid-19, a doença causada pelo vírus. (Não há evidências científicas sustentando essa afirmação.)

Outros alegaram que o momento da descoberta da variante sugere que integrantes do governo estão tentando distrair as pessoas de acompanharem o julgamento de Ghislaine Maxwell, que é acusada de ajudar o financista Jeffrey Epstein a traficar meninas menores de idade.

As novas tensões de desinformação são a última ruga no que tem sido uma batalha de anos entre as companhias de mídia social e aquelas que se aproveitam de uma sede global por conhecimento e fatos diante de um vazio de informações. Embora plataformas como o Facebook, o Twitter e o YouTube tenham banido a desinformação sobre o coronavírus e as vacinas, em vez de tentar promover informações autorizadas pelo governo, ela continua a se espalhar.

“É um exemplo clássico de quando você tem um vácuo e ele é preenchido rapidamente com teóricos da conspiração”, disse Claire Wardle, diretora executiva da First Draft.

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Para piorar, quase dois anos após o início da pandemia, muitas pessoas estão se sentindo cansadas. Elas podem ser ainda mais suscetíveis a acreditar em informações falsas sobre o coronavírus após os ciclos aparentemente intermináveis de proibições de viagens, lockdowns e a necessidade de mais vacinas e doses de reforço, de acordo com pesquisadores que estudam como a desinformação se espalha online.

“Com esta nova variante e o Natal chegando, talvez tenhamos que mudar nosso comportamento”, disse Rachel Moran, professora da Universidade de Washington que estuda como as informações online influenciam as crenças das pessoas. “Esse cansaço é muito real, as pessoas simplesmente não querem lidar com isso.”

Declarações de autoridades de saúde pública e a cobertura da mídia sobre a nova variante enfatizaram o quão pouco se sabe sobre a Ômicron e assumiram um tom mais cauteloso do que a cobertura no início da pandemia, disse Moran. Mas mesmo essas mensagens constantes e cuidadosas não ajudam a desacelerar a disseminação de informações falsas, ela disse.

“Não é muito convincente porque não faz com que a gente se sinta melhor necessariamente, não ataca aquele elemento emocional que torna a desinformação tão pegajosa”, disse Moran.

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Depois de aproximadamente dois anos de intenso escrutínio, as companhias de redes sociais dizem que alocaram mais recursos dedicados a desmontar informações médicas incorretas e aprimoraram os algoritmos que as detectam automaticamente. Muitos influenciadores antivacina proeminentes, incluindo o médico Joseph Mercola da Flórida e o advogado Robert F. Kennedy Jr., foram expulsos dos sites das redes sociais.

Ainda assim, os grupos antivacina contornam as novas regras usando linguagem codificada ou capturando postagens em sites de influenciadores proeminentes e compartilhando-as nas plataformas populares.

“As plataformas estão fazendo mais, mas isso não impede que a desinformação circule”, disse Wardle.

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Aaron Simpson, porta-voz da Meta, empresa-mãe do Facebook, disse que a empresa retirou mais de 24 milhões de peças com conteúdo que violavam suas regras de desinformação referente à covid e removeu milhares de pessoas que violaram repetidamente suas políticas. “Os desafios da pandemia estão mudando constantemente e não há bala de prata para combater a desinformação”, disse Simpson.

Porta-vozes do Twitter e do YouTube não retornaram imediatamente os pedidos de comentários.

Alguns médicos que espalham desinformação sobre o coronavírus estão sendo punidos.

O surgimento de novas variantes foi previsto pelos cientistas. Os vírus mudam e sofrem mutações naturalmente com o passar do tempo e, como grande parte do mundo ainda precisa ser vacinada, é quase certo que novas variantes surgirão. Mas as narrativas promovidas por influenciadores antivacina também incorporam o advento de novas variantes.

Quando a Ômicron foi descoberta, os governos da Europa e da América do Norte responderam restringindo as viagens do sul da África, uma medida que autoridades em países africanos disseram não ter respaldo científico e representava uma discriminação. À luz disso, alguns influenciadores antivacina estão alegando que a variante Ômicron é uma desculpa para governos racistas bloquearem a imigração e viagens de países africanos.

Nos Estados Unidos, conservadores proeminentes que alegaram que os governos e a mídia estão aumentando o impacto da pandemia para estender o poder do governo e ajudar os democratas a ganharem eleições também incorporaram a Ômicron em suas reivindicações.

Uma grande diferença este ano foi a falta dos argumentos do ex-presidente Donald Trump, que anteriormente serviram para espalhar desinformação - como a alegação de que o alvejante poderia ajudar a combater o coronavírus - para centenas de milhares de seus apoiadores, que por sua vez compartilhavam isso ainda mais amplamente.

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Mas outros políticos assumiram essa tarefa. Em um tópico do Twitter de 27 de novembro,Marjorie Taylor Greene, do Partido Republicano (Geórgia), alegou que as taxas relativamente mais baixas de coronavírus na África nos últimos dois anos se deviam em parte à forma com a qual as pessoas no continente usam ivermectina. Não há evidências científicas robustas de que a ivermectina ajude a combater o vírus. Ainda assim, Greene sugeriu que a variante Ômicron pode ser parte de uma conspiração para desacreditar a ivermectina. “Não é de admirar que os tiranos anunciem uma nova variante da covid da África e apliquem restrições de viagens”, ela escreveu. Seus tuítes foram repostados milhares de vezes por outros usuários.

A porta-voz do Twitter, Katie Rosborough, disse que os tuítes de Greene não violam suas regras. Um porta-voz de Greene não retornou um pedido de comentário.

A incerteza implacável e as mudanças nas orientações oficiais sobre se as pessoas devem ou não viajar continuarão desgastando as pessoas à medida que a pandemia entra em seu terceiro ano.

“As pessoas são atraídas por conspirações porque, para elas, parece que há um aspecto explicativo”, disse Wardle. “Há uma certeza que é revigorante porque dois anos de incerteza parecem simplesmente horríveis.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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