Entenda por que a Venezuela está em crise

Maduro decidiu fechar a fronteira com o Brasil com o objetivo de impedir a entrada de ajuda humanitária no país caribenho; saiba como a crise começou e se desenvolveu

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Por Redação
Atualização:

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, fechou na quinta-feira 21 o espaço aéreo do país e enviou blindados à fronteira com o Brasil para impedir a entrada de ajuda humanitária. Em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro manteve o envio de auxílio. A decisão do chavista foi tomada dois dias depois de a oposição venezuelana iniciar uma operação de entrega de mantimentos enviados pelos Estados Unidos com ajuda brasileira e colombiana. 

Entenda abaixo como a Venezuela chegou à situação atual e saiba o que levou à sua crise econômica e política.

Crianças estão famintas na Venezuela, cidadãos estão fugindo do país, o sistema de saúde é praticamente inexistente e alimentos e água estão escassos Foto: Fernando Vergara / AP

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O que significa a ajuda humanitária à Venezuela?

A oposição venezuelana tentou liberar no sábado 23 a entrada de 900 toneladas de ajuda humanitária enviada pelos EUA ao país. Maduro rejeitou a oferta e anunciou que receberá outras 300 toneladas enviadas pela Rússia. A maioria das entidades que atuam no alívio de crises humanitárias considera o "humanitarismo" como a ação para salvar vidas e aliviar o sofrimento durante conflitos, turbulências sociais e desastres naturais. Não precisa ser necessariamente requisitada por um governo, mas geralmente cria-se um consenso na comunidade internacional sobre sua necessidade. No momento, crianças estão famintas na Venezuela, cidadãos fogem do país, o sistema de saúde é praticamente inexistente e alimentos e água estão escassos. Ainda assim, o envio da ajuda é assunto controvertido e alguns analistas enxergam a medida como uma estratégia política e não apenas social, como afirma o colunista Marcelo Rubens Paiva em "Ajuda humanitária pra gringo ver".

Como estão as coisas hoje?

A Venezuela já foi o país mais rico da América Latina e uma das democracias mais longevas da região. Hoje, é praticamente um Estado falido. A inflação jogou a maior parte do país na pobreza, a escassez de alimentos e medicamentos é generalizada, a ordem pública está em colapso e a criminalidade aumentou. Além disso, nos últimos anos o governo consolidou agressivamente o poder e minou as instituições democráticas, deixando os venezuelanos sem caminhos significativos para desafiar ou mudar sua liderança. Muitos estão tomando as ruas para tentar forçar a mudança. 

Como a crise começou?

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O tenente-coronel Hugo Chávez foi eleito presidente em 1998 e assumiu o mandato no ano seguinte. Inicialmente, o líder esquerdista implementou mudanças populares para combater a corrupção e a pobreza. Ao entender que os ambientes políticos e comerciais do país estavam impregnados pelo clientelismo e pela corrupção, assinou uma série de decretos que ampliaram seus poderes. As coisas começaram a mudar em 2002, quando dificuldades econômicas resultaram nos primeiros protestos contra o governo

Em 11 de abril, em um golpe de Estado fracassado que durou 47 horas, Chávez foi detido por militares, a Assembleia Nacional e o Tribunal Supremo foram dissolvidos, e a Constituição de 1999 do país foi anulada. O presidente da Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio (Fedecâmaras), Pedro Carmona, foi instalado como presidente de facto. Na capital, no entanto, surgiu um levante pró-Chávez e a guarda presidencial retomou o Palácio de Miraflores, reconduzindo Chávez à presidência. Deste episódio até sua morte, o líder bolivariano travou uma guerra contra as instituições venezuelanas. 

Maduro, que era vice-presidente do país, assumiu o cargo interinamente após a morte de Chávez, no dia 5 de março de 2013. Sem o mesmo respaldo popular de seu padrinho político, precisou fazer ainda mais concessões e ampliar os programas assistencialistas apesar de o governo contar com menos dinheiro em caixa. Para resolver a falta de dinheiro, Maduro ordenou a impressão de mais moeda, o que, por não ter lastro, resultou no aumento da inflação e na disparada dos preços de itens básicos. Essas medidas foram a origem da escassez que assola a Venezuela.

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E como chegamos até aqui?

Para os críticos de Maduro, muitos membros da oposição foram impedidos de se candidatar às eleições presidenciais de maio de 2018, que elegeram o sucessor de Hugo Chávez para um segundo mandato de mais seis anos no poder. O resultado das urnas não foi reconhecido pelos opositores e por alguns países. Em janeiro de 2019, quando Maduro tomou posse, a Assembleia Nacional não reconheceu seu mandato e considerou oficialmente o chavista um "usurpador". No dia 23, sob a liderança do recém-eleito presidente do Parlamento, Juan Guaidó, os opositores foram às ruas em diversas regiões do país. Guaidó, do partido Voluntad Popular, se declarou presidente interino da Venezuela, gesto reconhecido por cerca de 50 países, entre eles Brasil, Colômbia e EUA.

O que significa ser presidente interino?

Guaidó se proclamou presidente interino utilizando dois artigos da Constituição venezuelana, de 1999. Para ele, quando Maduro instalou uma Assembleia Constituinte em 2017, o chavismo rompeu a ordem constitucional vigente. O artigo 333 da Carta Magna diz que, nessas condições, qualquer autoridade constituída pode restaurar a vigência da Constituição. Por Maduro ter sido reeleito em 2018 em uma eleição considerada irregular pela oposição, Guaidó invocou também o artigo 223, que diz que o presidente da Assembleia Nacional pode declarar vaga a presidência, ocupá-la por 30 dias e convocar novas eleições. Maduro afirma que foi eleito legalmente e todas as decisões da Assembleia Nacional são dúbias porque foram cassadas pelo Tribunal Supremo de Justiça em 2016.

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Quem é Juan Guaidó?

Desde que assumiu o comando da Assembleia Nacional, no dia 6 de janeiro, ele se converteu na principal esperança da oposição para derrubar o chavismo e o regime de Nicolás Maduro. Aos 35 anos, Guaidó integra as fileiras do partido Voluntad Popular, fundado pelo político opositor em prisão domiciliar Leopoldo López, desde 2007. Guaidó nasceu em La Guaira, capital do Estado de Vargas, em 1983, filho de um piloto comercial e de uma professora. Estudou engenharia na Universidade Católica Andrés Bello, período em que entrou para a política. Fez parte da Geração de 2007, o movimento estudantil que saiu para as ruas contra as políticas do então presidente Hugo Chávez. Também fez estudos de pós-graduação em administração pública na Universidade George Washington, nos EUA, e no Instituto de Estudos Superiores de Administração, em Caracas. Foi nessa ocasião que se aproximou de Leopoldo López, considerado seu mentor.

Mas, afinal, quem é o presidente da Venezuela agora?

Atualmente, o país tem um presidente eleito pelo voto, Nicolás Maduro, e o presidente que se declarou interino, Juan Guaidó, que utiliza a Constituição da Venezuela como fundamento para o cargo.

O que pode acontecer agora?

Há dois grupos que podem forçar Maduro e deixar o poder. O primeiro inclui membros do próprio governo venezuelano, mas com o agravamento da crise muitos deles temem ser presos caso deixem o poder. Eles também perderiam o acesso às benesses do governo e ficariam na mesma situação que a maior parte da população. No segundo grupo estão os membros das Forças Armadas venezuelanas que Maduro evitou ordenar a reprimir os manifestantes. Apesar de alguns oficiais de baixa patente mostrarem descontentamento com o governo, a cúpula militar ainda apoia Maduro. Se nenhum destes grupos se virar contra o presidente e ele se recusar a renunciar, é muito difícil prever o que acontecerá.

Quem mantém Maduro no poder?

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As Forças Armadas da Venezuela têm sido a principal base de sustentação interna do chavismo, e têm permitido a Maduro continuar no poder. Por isso Guaidó insiste em oferecer anistia aos militares que se virarem contra Maduro. Também por isso, o presidente dos EUA, Donald Trump, insiste na oferta de anistia e ameaça com sanções severas aqueles que continuarem apoiando Maduro. O ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino López, o comandante-geral da Força Aérea, Pedro Alberto Juliac Lartiguez, e o comandante-geral da Guarda Nacional, Richard Jesús López Vargas são alguns dos militares que apoiam Maduro. Confira aqui outros nomes.

Por que Trump assumiu um protagonismo maior na crise?

Maduro acusa os americanos de tramarem um golpe de Estado na Venezuela. A escalada da tensão com o chavista, que defende que os americanos usam os carregamentos de ajuda humanitária como desculpa para invadir o país, aumentou após a decisão venezuelana de fechar a fronteira com o Brasil. Depois do anúncio de Maduro, os EUA continuaram com a estratégia de fazer pressão sobre os militares venezuelanos para que não impeçam a entrada da ajuda. Washington pressiona o Brasil para garantir a segurança na entrega de ajuda humanitária aos venezuelanos. Durante um discurso em Miami no dia 18, Trump deu um ultimato aos militares da Venezuela. "Se não permitirem a entrada de mantimentos, perderão tudo", disse, em referência às fortunas que funcionários chavistas têm no exterior.

O que os políticos venezuelanos estão fazendo diante da crise?

No dia 25 de fevereiro, deputados da Assembleia Nacional da Venezuela prepararam uma denúncia à Corte Interamericana de Direitos Humanos contra Maduro por violações aos direitos humanos. O texto também deverá ser encaminhado ao Tribunal Penal Internacional. Uma porta-voz da diplomacia da União Europeia (UE) reiterou o pedido do bloco para que se evite uma intervenção militar na Venezuela e seu compromisso com uma saída "pacífica, política e democrática" para a crise. 

E o Grupo de Lima?

O Grupo de Lima rejeitou, também no dia 25 de fevereiro, uma intervenção militar na Venezuela e denunciou uma série de ameaças a Juan Guaidó. Além de deixar clara a posição contrária a uma ação militar no país caribenho, a declaração também ressalta que o Grupo de Lima pediu ao TPI que investigue Maduro por crimes contra a humanidade. Durante a reunião, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, confirmou que Washington congelou ativos de quatro governadores aliados de Maduro em retaliação à proibição da entrada de ajuda humanitária. Além disso, ele afirmou que o Grupo Lima deve transferir os ativos da companhia petrolífera estatal PDVSA para Guaidó e negar a entrada da cúpula ligada a Maduro em seus países. O americano ainda anunciou um envio de US$ 56 milhões às nações que receberam imigrantes venezuelanos. 

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Como fica o Brasil diante da crise?

Até o momento, o Brasil descartou a possibilidade de ação militar de qualquer forma em todas as reuniões sobre a Venezuela. Quando esteve em Washington para conversas com autoridades americanas, o chanceler Ernesto Araújo negou a existência de qualquer ação militar na Venezuela, mas não havia dado detalhes sobre a logística de entrega da ajuda humanitária. O vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, que representou o País no encontro do Grupo de Lima, defendeu uma solução "sem qualquer medida extrema" e ressaltou que, no contexto atual, a Venezuela "não deve conseguir se livrar sozinha do regime de Maduro". Para ele, só haverá uma alternância de poder no país com ajuda externa e a comunidade internacional deve avaliar a imposição de mais sanções contra o regime chavista. Ele sugeriu aumento da pressão sobre Caracas por parte de organismos internacionais - como as Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos (OEA).

Bolsonaro apoia Guaidó?

O presidente Jair Bolsonaro reconheceu Guaidó como presidente interino, assim como EUA e outros países. O Estado apurou que o anúncio americano de rejeitar o reconhecimento ao governo de Maduro foi coordenado de forma "constante" com o Palácio do Planalto. Uma fonte próxima ao presidente indicou que Bolsonaro, "de forma indireta", esteve em contato com Trump. O canal teria sido o Conselho Nacional de Segurança.

 

E como fica a Colômbia?

No dia 22 de fevereiro, o governo chavista ordenou o fechamento da fronteira da Venezuela com a Colômbia. Na cidade venezuelana de Ureña, no Estado de Táchira, militares venezuelanos dispersaram com gás lacrimogêneo e balas de borracha dezenas de pessoas que tentavam chegar ao território colombiano por uma ponte fronteiriça. Muitos alegavam que precisavam ir ao país para trabalhar. No dia seguinte, Maduro anunciou o rompimento das relações diplomáticas com Bogotá. Durante uma confusão entre manifestantes e militares da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) na fronteira da Venezuela com a Colômbia, dois caminhões com toneladas de ajuda foram incendiados depois de militares chavistas aparentemente terem permitido que o veículo se aproximasse da ponte que separa os dois países. / Com agências internacionais

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