Entrevista: A frágil democracia colombiana

Colombianos renovam Congresso no próximo domingo, mas dificilmente se verão livres do narcotráfico e do paramilitarismo na política local

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Por Agencia Estado
Atualização:

No próximo domingo, quando as urnas da Colômbia forem abertas para que um novo Congresso seja eleito, é possível que parte dos eleitores se esqueça por alguns instantes dos problemas que assolam o país e vote com a esperança de que algo de novo esteja por vir. Essa sensação, no entanto, dificilmente durará mais do que o tempo necessário para que os resultados do pleito sejam divulgados. Isso porque, contaminada por um sistema eleitoral viciado, a democracia colombiana ainda é incapaz de resistir às pressões impostas pelo crime organizado que governa, muitas vezes com o apoio de políticos, estados e regiões inteiras do país. E, como vem apontando a imprensa e analistas políticos locais, é grande a possibilidade de que muitos dos deputados e senadores que forem eleitos neste dia 12 tenham alguma relação com o narcotráfico, com a guerrilha ou com as forças paramilitares - seja ela de simples apoio ou até mesmo através do financiamento de campanha. "O sistema democrático colombiano tem se debilitado dramaticamente nos últimos anos. E isso deve se acentuar." É assim que um dos mais respeitados analistas da Colômbia, o professor Fernando Giraldo García, enxerga o futuro político do país. Diretor do departamento de ciência política da Pontifícia Universidad Javierana de Cali, García falou ao Portal Estadão.com.br sobre algumas das principais questões que estarão em jogo nessa corrida eleitoral, que está apenas começando. A disputa viverá seu ápice no dia 28 de maio, data em que o atual presidente Álvaro Uribe tentará reeleger-se ainda no primeiro turno das eleições presidenciais. De acordo com uma pesquisa de opinião realizada em fevereiro pelo instituto Datexco, Uribe é favorito absoluto no pleito, com 53,9% das intenções de votos. Além de destacar a presença do narcotráfico e das forças paramilitares na campanha eleitoral, o professor criticou a presença americana no país, explicou porque o eleitor colombiano costuma eleger governos de direita e arriscou uma previsão para a nova composição do Congresso. Leia abaixo os principais trechos. A Colômbia caracteriza-se por ter um sistema presidencialista muito forte, com um parlamento enfraquecido. A que o senhor atribuiu essa característica? Eu acredito que isso está relacionado a duas coisas: a primeira é que a maior parte dos cargos importantes do Estado são decididos ou contam com a intervenção direta do presidente da República em sua nomeação. Por outro lado, quando esse cargo deve ser aprovado pelo Congresso Nacional, mesmo que o Congresso não aprove a nomeação, o presidente pode utilizar um decreto para fazer valer sua vontade. Desta forma, o poder do Congresso para vetar ou aprovar projetos é muito limitado. Além disso, o sistema partidário colombiano está muito dividido. Há uma individualização da política e do poder muito forte em detrimento das instituições democráticas, o que faz com que uma pessoa como o presidente possa se colocar acima das expressões dos partidos. Isso obrigatoriamente debilita o Congresso Nacional. E, com a recente aprovação de uma lei que autoriza a reeleição, a figura presidencial se fortalecerá ainda mais. Como o senhor diferenciaria a direita da esquerda no espectro político colombiano? Como cada uma dessas forças atua? Eu acredito que as principais diferenças que temos neste momento do ponto de vista ideológico e programático são as seguintes: a direita e a extrema direita - que são basicamente todas partidárias do presidente Álvaro Uribe e amigas dos paramilitares e do Partido Conservador - são forças que pregam a solução para o conflito interno da Colômbia através da via militar. Ou seja, ampliar a guerra. No nível econômico, esses grupos respaldam abertamente o livre comércio com os EUA. Já no nível social, defendem que a questão só deve ser discutida depois de resolvido o forte problema da segurança interna. E no nível tributário pregam políticas para que todos os colombianos contribuam com o Estado, mas de maneira muito desequilibrada a favor dos empresários em detrimento dos setores médios e populares. Já a oposição, defende que as políticas para o conflito interno colombiano deve ser principalmente uma solução negociada através do diálogo, sem dar tanto peso à ação militar. Já nas políticas econômicas e sociais, a esquerda se opõe ao livre comércio e diz que o problema da Colômbia não é um problema de segurança, mas um problema social, de pobreza e miséria. Esses são como elementos fundamentais de diferenciação entre as duas tendências. Além disso, a oposição também tem defendido a necessidade de que a carga tributária seja ampliada, mas principalmente dos setores mais afortunados da sociedade e não tanto dos setores médios e populares. E em relação à presença de militares americanos no país? Como a esquerda e a direita se posicionam e como o senhor vê essa questão? Nem a esquerda e nem a direita discutem a presença, a assessoria e o apoio militar dos Estados Unidos ao Exército colombiano. É como um tabu do qual não se fala na Colômbia. Mesmo a população não palpita sobre isso. Ou seja, essa presença e a ajuda militar não está no centro do debate político colombiano. E isso é lamentável, porque é um assunto que deveria ser discutido aberta e publicamente. Está claro que a presença dos Estados Unidos é cada vez maior no país. Também é verdade que parte dos colombianos começam a perceber que uma aliança tão forte com os Estados Unidos pode ser muito negativa porque nos aleija do resto das nações da América Latina. Quanto mais nos aproximamos dos Estados Unidos, mais nos afastamos de nossos vizinhos. Então começa a levantar-se lentamente uma opinião de que devemos nos aproximar da América Latina e nos distanciarmos um pouco dos norte-americanos. Contudo, segue predominante entre os colombianos a simpatia pelos norte-americanos, algo muito contraditório com o resto da América Latina. Mas os colombianos começam a sentir que isso vai ter um custo muito alto no longo prazo porque iremos nos isolar completamente do resto da região. Hoje é possível observar no Brasil, Venezuela, Argentina, Bolívia e Chile um fortalecimento da esquerda política que parece não acontecer na Colômbia. Por que os colombianos preferem ir na contramão do resto da América Latina? O conflito interno da Colômbia sem dúvida degradou ou distorceu muito a luta política democrática no país. Em certa medida a guerrilha substituiu os movimentos sociais e os movimentos políticos de esquerda e de centro na luta pelo poder. E essa substituição debilitou a possibilidade de que esses movimentos crescessem e se desenvolvessem politicamente e eleitoralmente. Este é um fenômeno muito particular. Mas um outro fator é que esta é uma sociedade com uma elite política e econômica excessivamente macartista (uma referência ao senador norte-americano Joseph McCarthy, famoso por caçar comunistas no pós-guerra). Todas as pessoas ou movimentos que não legitimem o sistema são sempre taxados de comunista. Isso marcou muito a vida dos colombianos. Basta observar a média da população que é quase sempre muito conservadora, tradicionalistas e excessivamente católica. Mas é preciso ressaltar que a presença da guerrilha também não favoreceu o crescimento das correntes de centro-esquerda no país. Como o senhor avalia a presença do narcotráfico, da guerrilha e dos paramilitares nessas eleições? A presença dos paramilitares e de todas as forças ilegais, incluindo o narcotráfico, se dá principalmente através do financiamento das campanhas políticas. E trata-se de um financiamento dissimulado, que não se pode provar porque não utiliza o sistema financeiro. Um segundo fator é o apoio que esses grupos acabam tendo da própria população. Isso acontece porque regiões e estados inteiros são controlados por essas forças, de forma que os eleitores acabam sempre pressionados para votar em um determinado candidato e não votar em outros. Desta forma, acabam favorecidos os candidatos que estão próximos ou são amigos deles, consequentemente limitando ou restringindo a possibilidade de que os eleitores possam escolher livremente os candidatos que quiserem. O cenário que o senhor está descrevendo nos leva a crer que dificilmente teremos na Colômbia um sistema democrático sadio no curto e no médio prazo... Sim. Eu creio que o sistema democrático colombiano vem se debilitando dramaticamente nos últimos anos. E isso deve se acentuar. Por um lado porque temos uma institucionalização do paramilitarismo, e dissimuladamente do narcotráfico, e por outro porque o poder tem se concentrado excessivamente nas mãos do executivo em detrimento do poder legislativo. Isso sem falar na acentuada debilitação dos partidos e no controle indevido da atividade política nas diferentes regiões. E também a excessiva personalização da política e, sobretudo, do poder. Porque o poder não está nas mãos de instituições, mas sim de pessoas. Isso segue debilitando a democracia na Colômbia. E essas eleições não serão completamente democráticas. Em alguns casos será uma eleição antidemocrática e em outros semi-democrática. Então eu diria que no médio prazo a Colômbia corre o risco de sofrer um colapso do ponto de vista democrático. E na campanha eleitoral? Como os partidos colocam essa questão da fragilidade da democracia e a questão do narcotráfico e dos paramilitares? Há políticos de fato preocupados com esses problemas? Alguns partidos estão denunciando permanentemente a presença excessiva do paramilitarismo e do narcotráfico, mas esses são, sobretudo, partidos independentes e de oposição. Já a maioria dos partidos uribistas guardam este tema em silêncio, mesmo que no fundo saibam que o paramilitarismo e o narcotráfico exercem uma influência muito forte no país. Só que eles não se atrevem a questionar isso porque se assim o fizessem estariam questionando a política de segurança do presidente da república. Por isso, muitas denúncias foram feitas para que as listas dos partidos uribistas que contam com a presença de candidatos ligados ao paramilitarismo fossem limpas. Em parte esse objetivo foi atingido, mas não em todos os casos. Então digamos que esse foi um tema que esteve parcialmente presente na campanha, talvez não com força suficiente, mas foi um dos poucos temas importantes que estiveram presentes na campanha. Sobretudo através das denúncias nos meios de comunicação. E há perspectivas de que haja novos atos violentos nos próximos dias? Eu acredito que a violência, particularmente por parte das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), só vai aumentar. Sobretudo a partir das eleições de domingo, pois o objetivo da guerrilha é atingir as eleições presidenciais. As Farcs se opõe a reeleição do presidente Uribe e estão tratando de demonstrar que a política de segurança do governo já fracassou. Por isso, irão fazer tudo o que for possível para demonstrar que eles tem capacidade militar, que não foram derrotados e que a política de segurança do presidente Uribe não funciona. Quais serão os efeitos da reforma política aprovada em 2003 para as eleições legislativas de domingo? Nas eleições de 2002, 60 partidos e movimentos se apresentaram para o pleito. Com a reforma de 2003, se apresentaram ao senado 20 partidos. Desses partidos, dez são claramente uribistas, dois são anti-uribistas - o Partido Liberal e o Partido do Pólo Democrático Alternativo, de esquerda - e outros oito partidos restantes são movimentos independentes, uns pró-uribistas e outros anti-uribistas, mas, nesse último caso, são anti-uribistas moderados, não radicais. O que eu prevejo como resultado para o Senado é que de 12 a 14 partidos conseguirão se eleger. Desses, devem permanecer o Partido Liberal e o Pólo Democrático Alternativo e devem permanecer uns nove partidos uribistas, e uns três partidos independentes, provavelmente os de centro. Desta forma, as forças uribistas obteriam uma maioria muito fraca, pois contariam com no máximo 54 senadores, enquanto que a oposição deve contar com aproximadamente 40. O partido majoritário deverá ser o Partido Liberal, que é um partido de oposição, que terá mais ou menos de 30 a 33 cadeiras. Com toda essa reflexão, o quero demonstrar é o seguinte: dos 100 senadores, de 48 a 55 serão uribistas e outros 40 serão anti-uribistas. Sobram assim de 5 a 7 senadores independentes. Isso quer dizer que o uribismo vai ter uma maioria muito frágil que pode se desmobilizar a qualquer momento. Digo isso porque os senadores uribistas estarão divididos em oito partidos, o que tornará mais difícil manter a unidade do governo a longo prazo - isso se o presidente se reeleger. Por outro lado, na Câmara dos Deputados, eu acredito que o uribismo contará com um progresso relativamente significativo. Porque todas as forças paramilitares e do narcotráfico devem aumentar seu número de representantes no congresso. Neste momento, o uribismo conta com aproximadamente uns 90 deputados de um total de 161, mas é muito provável que nestas eleições os uribistas passem a ter de 100 a 110 representantes. Muitos dos quais financiados ou respaldados pelos paramilitares. Ou seja: no senado os uribistas terão uma maioria muito frágil, mas na câmera a maioria será muito mais decisiva. Em síntese, quem vai triunfar nas eleições enquanto partido é o Partido Liberal, de oposição, mas as forças uribistas, somadas todas, terão a maioria. Com essa reforma, que diferenças poderemos vislumbrar entre a atual e a nova legislatura? A diferença principal é que hoje há no Senado aproximadamente 48 partidos, que passaram a ser no máximo 14. Isso quer dizer apenas que os 48 partidos se agruparão em menos partidos, mas continuam sendo os mesmos. Na Câmara deve acontecer algo parecido. De 52 partidos passaremos a ter 25. Mas que também são os mesmos 52. Agora, o fato de temos menos partidos não significa que estes serão melhores. Porque a campanha continua sem debater programas, sem debater idéias e preocupada apenas com votos. Os únicos que têm um programa mais ou menos apresentável são os liberais, e parte do Câmbio Radical, que é um partido uribista. Mas o resto dos movimentos foram muito difusos na hora de apresentar propostas políticas.

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