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Entrevista: 'Instabilidade na Nicarágua é a pior desde que Ortega voltou'

Para Juan Felipe Celia, diretor do Centro para a América Latina do Atlantic Council, queda na ajuda financeira da Venezuela e sanções americanos a Caracas afetaram país

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Por Redação
Atualização:

A Nicarágua enfrenta a pior instabilidade política no país desde que Daniel Ortega retornou ao poder, há 11 anos. Tiveram alguma influência nessa instabilidade as recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI), a crise na Venezuela e as sanções de Washington contra Caracas, afirma Juan Felipe Celia, diretor adjunto do Centro para a América Latina do Atlantic Council, fórum de debates independente com sede em Washington, em entrevista concedida à AFP.

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Entre as vítimas, há estudantes que iniciaram o movimento, agentes de polícia e jovens simpatizantes da governante Frente Sandinista, acusados de atacar os manifestantes Foto: EFE/Jorge Torres

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Por que a explosão de descontentamento? As manifestações começaram como um protesto contra as reformas anunciadas pelo governo de Daniel Ortega, aumentando as contribuições dos trabalhadores e empresas para o sistema de previdência social. Mas as manifestações se ampliaram para todo o país e se converteram em protestos contra a repressão, a censura dos meios de comunicação, a redução das liberdades civis e contra os abusos da polícia.

O FMI, que recomendou que a Nicarágua fizesse reformas da previdência, seria um responsável indireto pelos protestos? Não podemos culpar o FMI. A culpa é basicamente do governo de Ortega, que foi acusado de usar os fundos da previdência social para projetos de seus aliados políticos. Embora o FMI tenha feito uma série de recomendações nesse sentido, as reformas anunciadas pelo governo impõem um alto custo para a população e foram determinadas sem consulta, nem mesmo à associação de empresas privadas da Nicarágua, aliada do governo de Daniel Ortega. 

Quanto pesou a diminuição da ajuda da Venezuela à Nicarágua? A ajuda caiu mais de 60% em 2017 e vem afetando de maneira importante a economia do país. Não é coincidência o fato de o governo estar realizando essas reformas impopulares agora e não há três anos.

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Qual o efeito das sanções econômicas dos EUA contra a Venezuela? No fim de 2017, as empresas nicaraguenses suspenderam suas exportações para a Venezuela em razão das sanções impostas pelo governo americano contra a estatal petrolífera venezuelana PDVSA. Essas sanções afetaram também o funcionamento da Albanisa, agência encarregada do comércio entre Nicarágua e Venezuela, da qual a PDVSA é acionista majoritária. Qualquer sanção que possa arruinar a economia venezuelana terá impacto sobre a Nicarágua diante dos vínculos estreitos entre as duas economias.

O que se pode esperar do futuro da Nicarágua? O país vive hoje um nível de instabilidade jamais visto desde que Ortega retornou ao poder, em 2007. É a primeira vez que tantos setores se unem para protestar contra o governo. A associação de empresas privadas anunciou que não negociará com o governo. E o fato de os protestos abrangerem denúncias mais amplas contra a classe dirigente fará com que eles se prolonguem. O anúncio feito por Ortega de que não levará adiante as reformas não satisfez os manifestantes, que agora pedem sua renúncia. Entretanto, é difícil saber se o que vem ocorrendo coloca em dúvida a continuidade do governo Ortega, que conseguiu eliminar toda a concorrência política e todo o sistema de controle e equilíbrio de poderes no país. / AFP