Mustafa al-Abulgasem Kashian, cientista político da Universidade de Trípoli
PARIS - Durante as décadas em que construiu uma carreira de sucesso como cientista político, formado na Líbia e pós-graduado nos EUA, Mustafa al-Abulgasem Kashian manteve-se distante das esferas de poder. Nesse período, todo cargo de direção, mesmo que fosse na Universidade de Trípoli, na qual é docente, significava algum grau de cooperação com o regime de Muamar Kadafi, do qual era crítico. A seguir, trechos da entrevista exclusiva ao Estado.
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ESTADO: Desde novembro, a Líbia é comandada por um novo premiê, Abdurrahim el-Keib, um acadêmico e tecnocrata. Quais são os rumos recentes do país?
KASHIAN: Há muito trabalho a fazer por este novo governo. Mas ao mesmo tempo estamos diante de uma grande oportunidade, mesmo que o tempo seja escasso, apenas oito meses até as eleições. Os principais desafios de Keib são a segurança, a recuperação econômica e problemas sociais que se agravaram com a revolução. Mas a situação do país é certamente muito melhor do que no último mês ou nos últimos meses. Além disso, este governo representa as diferentes regiões do país, o que é um fator político importante.
ESTADO: Quase dois meses após a liberação do país, qual é a sua avaliação da situação política da Líbia?
KASHIAN: A situação do país caminha para a estabilidade. A revolução teve um enorme apoio público e todos manifestam o desejo de construir juntos o futuro da Líbia. É um momento inédito, em que a nação se prepara com uma boa atmosfera para a estabilidade democrática. Estou otimista em relação ao presente e ao futuro próximo da Líbia.
ESTADO: Eleições realizadas na Tunísia, no Marrocos e no Egito apontaram para uma onda de partidos islâmicos moderados assumindo o poder no Norte da África e no Oriente Médio, certo?
KASHIAN: Creio que há um amplo apoio público para os partidos islâmicos democráticos, não apenas na Tunísia, no Marrocos e no Egito, onde já ocorreram as primeiras eleições livres, mas também na Líbia. A maior parte da população desses países segue correntes islâmicas moderadas, e a sua visão é bastante moderna. Para mim, parece muito claro que o Norte da África e o Oriente Médio vão alçar ao poder correntes democráticas e moderadas de partidos islâmicos modernos, que têm muito mais penetração popular que os partidos islâmicos mais conservadores e radicais.
ESTADO: Logo o senhor não crê que em uma "ameaça islâmica" à democratização.
KASHIAN: Não creio em ameaça islâmica, de nenhuma forma. Os discursos políticos desses partidos são muito claros e giram em torno de propostas moderadas. Em um momento revolucionário intenso, como o que atravessamos, são os segmentos majoritários da população que tendem a se impor. Isso explica a ascensão dos partidos islâmicos moderados e democráticos. Eles não representam uma ameaça. O Ocidente não precisa temer. Não há lugar para extremismos, seja na Líbia, seja na Tunísia, no Marrocos ou mesmo no Egito.
ESTADO: Mas estes partidos não pregam o Estado secular, desvinculado da religião. Há algum risco de que os partidos adaptem seus discursos?
KASHIAN: Não acredito que eles modificarão seus programas já para essas primeiras eleições. Teremos Estados democráticos, dirigidos neste primeiro momento por partidos islâmicos. Essa é a realidade que se desenha, pois a opinião pública também tem medo e rejeita os radicalismos.
ESTADO: A revolução na Líbia foi viabilizada em grande parte pela intervenção militar da Otan. O senhor acredita que uma intervenção seria plausível no caso da Síria, onde a repressão é violenta?
KASHIAN: Depende muito da continuidade da revolução na Síria. Se a repressão continuar tão dura quanto está agora, mas mesmo assim a população continuar se manifestando, então uma intervenção militar pode acabar sendo necessária na Síria.