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Entrevista: ‘O país tinha uma sociedade que explodia para dentro’, diz chilena Beatriz Sánchez

Representante de uma nova esquerda no Chile, Beatriz critica a falta de conexão de Piñera com as demandas populares

Por Rodrigo Cavalheiro
Atualização:
A Frente Ampla, de Beatriz Sánchez, se transformou na terceira força política do Chile Foto: EFE/Mario Ruiz

Os protestos no Chile são inexplicáveis para quem só vê indicadores econômicos. O que ocorreu?

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Somos o 15.º país mais desigual do mundo e um dos mais desiguais da América Latina, juntamente com o Brasil. Temos uma acumulação obscena de riqueza em 1% da população e alguns dos índices de depressão mais altos do mundo, segundo a OMS. Temos também altas taxas de suicídio entre crianças e adolescentes. Muitos estudos relacionam altos índices de endividamento com doenças mentais. Certos números mostram o Chile como aluno mais comportado do bairro. Quem pesquisar mais, verá que essa revolta era anunciada. Houve manifestações explosivas em 2006 e 2011, mas esta é realmente outra coisa. Tínhamos uma sociedade que explodia para dentro. Isso mudou.

Segundo o Banco Central, no ano passado, 73% do que uma família recebia eram dedicados a dívidas. Isso explica por que países mais desiguais que o Chile, como Brasil, não passam por uma revolta como esta?

Temos uma classe política pequena, que pertence a uma elite muito concentrada. Tanto na centro-esquerda quanto na centro-direita. A nossa elite vem de quatro ou cinco colégios e duas universidades de Santiago. São basicamente homens. Tínhamos uma sensação, apesar de o Chile ter todos esses problemas, de que havia certo respeito às instituições. Mas há uns cinco anos foram aparecendo altos índices de corrupção, casos em que empresários praticamente entregavam leis que deveriam ser aprovadas aos parlamentares. Muitas instituições começaram a rachar, incluindo os carabineros (polícia militar), que considerávamos incorruptíveis. Percebemos que são corruptos como a polícia de outras partes do mundo. 

Um populista pode chegar ao poder no Chile?

Ninguém sabe o que vai acontecer depois desse movimento. A direita tenta despolitizar a crise, falar que todos os políticos são o problema. Isso talvez não pertença a um partido político, mas são demandas de um movimento político. Se as pessoas não acreditarem que há uma saída política, corremos o risco de chegar a um lugar imprevisível. Mas, se promovermos a ideia de que é preciso mais participação política, a consequência será diferente. Não há soluções fáceis. A solução passa por uma nova Constituição. 

Apesar das concessões feitas, Sebastián Piñera recebe novas demandas, e a falta de um líder entre os manifestantes contribui para isso. Há outra alternativa?

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Saídas políticas para mobilizações anteriores tiveram péssimo resultado. Em 2006 e 2011, houve acordos populares em que as pessoas ficaram muito decepcionadas. O pior que poderia acontecer é aparecer uma liderança popular que diga “represento a população”. 

Manifestantes dizem que a revolta poderia ter sido detonada também num governo de esquerda. O protesto é contra o quê?

As duas grandes mobilizações dos últimos tempos ocorreram contra o mesmo governo, de Sebastián Piñera. Isso não é casualidade. Não gostei dos governos da Concertação e da Nova Maioria (que levaram o Partido Socialista ao poder). Votei neles e não fizeram nada para evitar o que está ocorrendo. Mas o que Piñera vinha fazendo era retirar os poucos direitos que haviam sido conquistados no governo anterior. Essa é uma explosão contra o modelo neoliberal, mas as pessoas não falam assim, porque falar de modelo neoliberal é algo difuso. Estão reclamando porque se cansaram dos abusos e não conseguem chegar ao fim do mês. 

Faltou vontade ou competência aos governos de centro-esquerda para mudar este cenário?

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As duas coisas. A Constituição é uma amarra e está fechada sobre si mesma. É preciso mudá-la. Fazer mudanças profundas é muito difícil. Mas também é verdade que a Concertação, nos seus anos de governo, fez um pacto transicional com a ditadura. A Concertação tirou muita gente da pobreza. O que vemos nas mobilizações não são as pessoas mais vulneráveis, mas a classe média, que está sufocada.

Se a sra. enfrentasse uma onda de protestos como essa na presidência, como reagiria?

Precisamos deixar que as pessoas tomem decisões no Chile, estimular a participação. O governo tentou apagar com querosene um incêndio. Um ministro da Economia, quando as pessoas reclamaram que o bilhete de metrô subiria em determinado horário, recomendou que elas acordassem mais cedo para pagar menos. Há alguns meses, o subsecretário de Saúde disse que as pessoas gostam de levantar às 5 horas da manhã e fazer fila nos postos de saúde porque buscam vida social. Outro, questionado sobre a razão de tudo estar subindo no Chile, pão, leite e serviços básicos, menos as flores, aconselhou os cidadãos a comprar mais flores. Isso é apagar o fogo com querosene. É não ter um pé na rua e ver o que acontece no Chile.

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