Turquia ameaça abrir fronteiras caso UE congele negociação sobre adesão

Após bloco paralisar negociações sobre adesão de Ancara, presidente diz que liberará entrada de refugiados na Europa

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Por Andrei Netto CORRESPONDENTE e PARIS
Atualização:

A tensão diplomática crescente entre a União Europeia (UE) e a Turquia voltou a subir ontem. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ameaçou abrir suas fronteiras para a passagem em massa de imigrantes caso Bruxelas “vá mais longe” na possibilidade de romper as negociações para inclusão do país no bloco econômico. 

Na quinta-feira, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução na qual pediu ao Executivo, a Comissão Europeia, que congele temporariamente as negociações para inclusão da Turquia. O motivo: a onda de repressão em curso em Ancara e Istambul. 

Ativistas seguram placa em que se lê"Sim à solidariedade e sejam bem-vindos imigrantes e refugiados" durante manifestação a favor dos refugiados do acampamento de Calais Foto: AP Photo/Philippe Farjon

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A ofensiva de Erdogan veio um dia depois de os eurodeputados aprovarem por 479 votos a favor, 37 contra e 107 abstenções uma resolução na qual pediram ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que suspendesse imediatamente as negociações com Ancara para sua adesão ao bloco. Dos 35 temas em discussão, apenas 1 já foi concluído e 16 estão em andamento, mas outros 18 nem entraram em negociação, o que indica na prática que as discussões avançam de forma lenta. Na Europa, a França lidera a resistência à adesão.

O Parlamento solicitou, no entanto, que o congelamento seja oficializado, o que representa uma sanção indireta a Erdogan por sua política repressiva. Desde a tentativa frustrada de golpe militar em 15 de julho, o presidente turco vem usando a oportunidade para banir das Forças Armadas, da polícia, do serviço público, da Justiça e da imprensa qualquer foco de resistência ao governo. Um total de 66 mil servidores, entre os quais professores e acadêmicos, já foram afastados, e outros 63 mil demitidos de suas funções. Mais de 40 mil pessoas foram presas - entre elas, 2,3 mil magistrados e 150 jornalistas acusados de colaboração com grupos de oposição ligados ao pregador Fethullah Gülen, exilado nos EUA, ou ao partido curdo HDP, que foi proscrito.

Linha dura. Erdogan reiterou que a ofensiva do governo vai continuar, incluindo o restabelecimento da pena de morte - um dos principais focos de críticas da UE. Erdogan ameaçou Bruxelas de reabrir suas fronteiras para a passagem de imigrantes e refugiados de países como Síria, Iraque e Afeganistão - a exemplo do que ocorreu em 2015, quando mais de um milhão de estrangeiros sem visto de entrada ingressou em diferentes países da Europa, em especial a Alemanha. Mais de 3 milhões de pessoas, a maior parte sírios que fogem da guerra, vivem em campos de refugiados no país.

“Quando 50 mil migrantes se aglomeraram no posto de fronteira de Kapikule, vocês pediram ajuda”, lembrou Erdogan, referindo-se à fronteira entre Turquia e Bulgária. “Vocês disseram: ‘O que nós faremos se a Turquia abrir suas fronteiras?’.” O próprio Erdogan respondeu à pergunta. “Ouçam bem: se vocês forem mais longe, as fronteiras se abrirão”, advertiu, reiterando a mensagem: “Entendam isso”. 

As negociações para a adesão da Turquia à UE começaram em 2005, mas 11 anos depois andam em marcha lenta, em parte em razão da desconfiança crescente em relação aos rumos do regime do presidente islamista. No passado, Erdogan já elogiou Adolf Hitler e afirmou que a democracia é apenas um meio para a conquista do poder.

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As declarações de Erdogan tiveram repercussão imediata. Em Atenas, Dimitris Vitsas, o ministro da Defesa da Grécia - país mais afetado pela entrada de imigrantes -, acusou o turco de “instrumentalizar os refugiados”, o que equivaleria a “um ato de agressão”.

Já em Berlim e em Paris, a reação das autoridades foi mais diplomática. O governo alemão respondeu ao que classificou como “ameaças”. Já o ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Marc Ayrault, disse que a Europa está atenta aos desdobramentos políticos na Turquia. “Nós consideramos que a escalada e as polêmicas são absolutamente contraproducentes. A França continua a seguir com atenção a situação na Turquia à luz ao mesmo tempo dos critérios fixados no processo de negociação com a UE e os valores europeus que nós compartilhamos com a Turquia”, afirmou.

Em Bruxelas, centro da controvérsia política, a porta-voz da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, afirmou que o bloco continua engajado no cumprimento do acordo entre Turquia e UE, mas ao mesmo tempo não apresentou uma previsão de quando cidadãos turcos não precisarão mais de visto para ingressar no Espaço Schengen.

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