Escândalo complica estratégia de Uribe para obter 3º mandato

Vínculos de aliados do presidente colombiano com paramilitares comprometem legitimidade do governo

PUBLICIDADE

Por Ruth Costas
Atualização:

Até o mês passado o colombiano Álvaro Uribe era o presidente latino-americano com mais chances de romper a polêmica barreira do terceiro mandato. Com um índice de popularidade de 84%, sua estratégia, segundo analistas, parecia ser manter um silêncio oportuno sobre o tema, enquanto seus aliados coletavam o 1,2 milhão de assinaturas necessárias para pedir ao Congresso a emenda permitindo a segunda reeleição. O projeto, porém, começou a se complicar no dia 12, quando o senador Carlos García, presidente do partido de Uribe, renunciou após ser vinculado a grupos paramilitares. Pouco depois, foi a vez da senadora Nancy Gutiérrez, presidente do Congresso e grande aliada de Uribe, ser denunciada pelo mesmo crime. E quando parecia que nada poderia ficar pior, o primo do presidente, o ex-senador Mario Uribe, foi preso, na quarta-feira, após uma tentativa de pedir asilo à Costa Rica. "A probabilidade de um terceiro mandato diminui conforme a bancada governista no Congresso perde força e legitimidade", disse ao Estado o cientista político Gabriel Murillo, da Universidade dos Andes. "Uribe não só corre o risco de perder sua folgada maioria na Casa como está se dando conta de que, com o Legislativo tão desacreditado, uma reforma desse porte pode ser mal recebida - principalmente pela comunidade internacional." Os três casos que fecharam o cerco sobre o presidente são desdobramentos do escândalo que ficou conhecido como "parapolítica" (ler ao lado). Não se trata de uma novidade no cenário político colombiano. Os vínculos de políticos com paramilitares - grupos armados de ultradireita envolvidos em massacres, seqüestros e tráfico de drogas - começaram a ser revelados em 2006 e hoje, dos 267 parlamentares do país, 29 estão presos (5 dos quais, já condenados) e outros 36 são investigados por ligações com essas milícias. A diferença é que desta vez as denúncias estão chegando perto demais do presidente. O que unia Uribe e Mario, acusado de ter-se encontrado com dois líderes "paras" entre 1998 e 2002 e ter comprado propriedades deles, era muito mais que o parentesco (eles são primos no 2º grau). Ambos fundaram juntos o partido Colômbia Democrática e foram parceiros políticos por mais de duas décadas no Departamento de Antioquia. Numa tentativa desesperada de ofuscar a crise, o governo atacou a oposição na mesma moeda denunciando a "farcopolítica" - supostas ligações entre políticos de esquerda e as Farc. Funcionou no curto prazo, mas há pouco indício de que o novo escândalo alcance as proporções da parapolítica. O segundo fator que complica o cenário para a nova reeleição é de ordem prática. A fórmula encontrada para dar mais credibilidade ao Legislativo é uma reforma política pela qual os partidos perderiam as cadeiras dos senadores e deputados vinculados a paramilitares. A oposição quer que essa perda ocorra no momento em que os congressistas são acusados. Já o governo, quando se esgotarem os recursos de apelação - o que pode demorar até quatro anos. Mesmo que não se chegue a uma decisão tão cedo, a discussão põe num "limbo político" os indiciados. Isso pode significar, por exemplo, a paralisação da comissão do Senado que trata de assuntos constitucionais e pela qual o projeto de reeleição deve passar. Hoje, 6 de seus 19 integrantes estão presos ou são investigados por vínculos com "paras". POPULARIDADE Outra opção para os aliados de Uribe seria um referendo. No entanto, para aprovar o terceiro mandato, os governistas precisariam de 7,5 milhões de votos. Em 2002, Uribe foi eleito com 5,8 milhões de votos e, em 2006, 7,4 milhões. É claro que os 84% de aprovação dão aos governistas uma perspectiva alentadora, mas os analistas preferem ser cautelosos. Não há como garantir que quem aprova Uribe também queira que ele prolongue sua gestão para além do que a Constituição vigente permite. Segundo uma pesquisa publicada na sexta-feira, 56,2% dos colombianos aprovariam o novo mandato. Em 2003, a população já rejeitou a primeira reeleição em uma consulta popular. O presidente só conseguiu aprová-la por meio de uma emenda constitucional, que começou a ser contestada na semana passada, quando a ex-congressista Yidis Medina disse ter recebido promessas de cargos públicos para apoiar Uribe na ocasião. Sua prisão foi decretada anteontem. A verdade é que o terceiro mandato cheira a autoritarismo e, segundo analistas, num governo marcado por escândalos cada vez mais próximos ao centro de decisões pode parecer pouco conveniente."O terceiro mandato é que ele causa um desequilíbrio dos poderes", diz Elizabeth Ungar, diretora do Programa Congresso Visível da Universidade dos Andes. Ela explica que, na Colômbia, cada presidente tem direito de apontar juízes para a Suprema Corte e uma parte da direção do Banco Central. "Acumular mandatos significa aumentar as indicações e ampliar o controle do Executivo", diz Elizabeth. Até agora as acusações da parapolítica nem sequer arranharam a popularidade de Uribe. Para o cientista político Alejo Vargas, da Universidade Nacional da Colômbia, a razão para tal fenômeno, que ficou conhecido como "efeito teflon" - porque nada "gruda" no presidente -, pode ser explicada pelo desespero de um país em guerra. "Uribe tem tanto apoio porque reduziu a violência e acuou a guerrilha. Num país em que o conflito atingiu proporções tão dramáticas, a população comprou a idéia de que só isso importa - e todo o resto é um mal necessário", diz Vargas. "Esse raciocínio não convence a comunidade internacional. Se os democratas ganharem as eleições nos EUA, por exemplo, a pressão para Uribe desistir de reeleger-se deve ser decisiva."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.