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Escândalos afetam promessas de Bachelet

Presidente do Chile estimula reforma política para superar crise de popularidade

Por Rodrigo Cavalheiro , SANTIAGO e CHILE
Atualização:

O bar The Clinic, a dois quilômetros do palácio presidencial La Moneda, centro de Santiago, é um bom lugar, senão o melhor, para o chileno pôr em prática um costume tão recente quanto estendido, encher a boca em protesto contra o filho da presidente Michelle Bachelet.

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O primogênito Sebastián Dávalos, de 36 anos, é alvo de denúncias de especulação imobiliária e tráfico de influência que fizeram a reprovação materna saltar de 22% para 61% em um ano, segundo a consultoria Adimark. Indiretamente, ele e sua mulher Natalia - noragate é o apelido do caso - mudaram o eixo de ação do governo. A indignação que não leva a grandes marchas, mas domina as conversas no táxi, em churrascos ou em bares, desviou o foco presidencial das reformas educacional e constitucional, promessas de campanha, para uma revisão do elo entre políticos e empresas.

Com a menor aprovação de seus dois mandatos, 31%, Bachelet delegou há um mês a 16 personalidades "insuspeitas" a tarefa de elaborar um pacote anticorrupção que use como referência "as melhores práticas mundiais", segundo ela.

A Comissão Engel - referência ao líder do grupo, Eduardo Engel, que leciona economia na Universidade do Chile e em Yale -, tem políticos e acadêmicos de diferentes matizes ideológicos. Seu objetivo é propor mudanças que impeçam um funcionário público de, por exemplo, passar à mulher dele informações sigilosas sobre em um terreno no sul do país que se valorizará três vezes e renderá US$ 3,8 milhões de lucro.

Essa é a acusação contra Dávalos, cientista político que renunciou ao cargo não remunerado na área social do governo, e contra Natalia, que no dia 10 pediu desculpas e garantiu: a sogra não sabia de nada. O terreno em questão foi comprado com um empréstimo de US$ 10 milhões que Dávalos conseguiu no Banco do Chile para a empresa da mulher. O crédito foi aprovado um dia depois de sua mãe ganhar a eleição, em 15 dezembro de 2013.

"Mudou a prioridade. Já não se trata de eliminar a Constituição de (Augusto) Pinochet, como estava no programa de governo, mas frear a promiscuidade entre dinheiro e política, a corrupção e o tráfico de influência", afirma o sociólogo e consultor Eduardo Tironi, um dos mentores da campanha do "não" no plebiscito que marcou a saída de Pinochet do poder após 17 anos, em 1988.

"A comissão mostrará sua proposta em alguns dias e todos os partidos se comprometeram a aprová-la em um pacote rápido. Isso pode significar a maior reforma institucional desde a volta da democracia. De certo modo, esse grupo trabalha como uma espécie de Assembleia Constituinte", avalia Tironi.

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Reformas.

Em setembro, Bachelet aprovou uma reforma tributária que permitirá arrecadar US$ 8 bilhões a mais por ano, 3% do PIB. Subiu de 20% para 25% o imposto de empresas e reduziu de 40% para 35% a taxa máxima para pessoas.

Foi o primeiro passo para financiar uma reforma educacional que promete universalizar o ensino gratuito - algo já em curso no ensino primário e secundário.

Sua terceira grande promessa é a reforma constitucional a que se refere Tironi, a mais difícil. A coalizão governista tem 67 deputados e 21 senadores e precisaria de 72 e 23, respectivamente. "A crise não tira votos de Bachelet no Parlamento. Tira autoridade para que imponha os projetos à própria coalizão", diz o sociólogo.

As dificuldades da presidente começaram no ano passado pela queda no preço do cobre, a diminuição dos investimentos diante da nova carga tributária e a redução no PIB - crescimento de 1,9% em 2014, ante 5,4% de média nos quatro anos anteriores.

A situação só não é pior porque a avaliação da oposição é péssima - só aprovada por 16%, segundo o mesmo Adimark. O caso Penta, de financiamento irregular de políticos, afetou sobretudo a direita e levou grandes empresários à prisão em 7 de março. Fecha a trindade dos escândalos a chamada conexão Soquimich, empresa de mineração do ex-genro do ditador Augusto Pinochet, Julio Ponce Lerou, investigado por pagamento ilegal a políticos e sociedades ligadas a partidos - incluindo a campanha de Bachelet.

Segundo Tironi, o fato de a popularidade de Bachelet ter caído a ponto de precisar desmentir rumores de que renunciaria não indica que se suspeite dela. "Ela sofreu diretamente porque na própria família há valores opostos aos que diz defender", acrescentou.

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"O chileno não aceita ser chamado de ladrão. Neste país é socialmente aceito matar, mas não roubar", opina o dentista Patricio Doñas, um dos frequentadores do The Clinic, bar de temática política que mantém uma parceria com a revista satírica homônima. "Sempre nos orgulhamos de que éramos limpos e seguíamos as regras. Hoje nossa essência está exposta, como numa piada cruel", teoriza Doñas.

Ele ainda não provou o lanche do momento no bar, que troca de cardápio a cada três meses, de acordo com a maré política. O Cerdo Dávalos (Porco Dávalos) é um sanduíche de pernil com cebola, maionese e alho que custa 5,9 mil pesos (R$ 29).

O nome de cada produto, explica o gerente Patricio Mora, tem influência direta no êxito que terá, pois os frequentadores estão acostumados a discutir política e divulgar as iguarias pelo Twitter. O batismo de cada lanche segue uma receita. "Primeiro, decidimos em quem vamos bater. Depois vemos que ingredientes têm a ver com o caso ou com a pessoa. Neste em particular, achamos conveniente usar o porco", explica.

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