Escolas para meninas ajudam a vencer o Taleban

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Por Thomas Friedman (The New York Times)
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Confesso que acho difícil chegar ao Afeganistão e não perguntar: por que estamos aqui? Quem se importa com o Taleban? A Al-Qaeda se foi. E se os seus líderes voltarem? Bem, foi para isso que Deus inventou os mísseis. Mas sempre que começo a escrever essa coluna, alguma coisa me detém. Desta vez, fui tocado por uma cena muito forte. Observei Greg Mortenson, o famoso autor do livro A Terceira Xícara de Chá, enquanto ele inaugurava uma de suas escolas para meninas na remota vila afegã de Pushgar, nas montanhas do Hindu Kush. Sou obrigado a reconhecer que, depois de testemunhar o brilho nos rostos daquelas pequenas meninas afegãs ansiosas para aprender, acho muito difícil escrever: "Vamos cair fora daqui." De fato, a iniciativa de Mortenson nos lembra daquilo que está na essência da "guerra contra o terrorismo". Trata-se do embate de ideias dentro do Islã. Um embate entre fanáticos religiosos, que glorificam o martírio e desejam manter o Islã intocado pela modernidade e isolado dos demais credos, relegando as mulheres à submissão, contra aqueles que desejam abraçar a modernidade, abrir o Islã para novas ideias e conferir às mulheres poder igual ao dos homens. A invasão americana do Iraque e do Afeganistão foi, em parte, uma tentativa de abrir espaço para que os muçulmanos progressistas pudessem lutar e vencer, desencadeando assim o funcionamento do verdadeiro mecanismo da mudança - algo que costuma demorar 20 anos para ser produzido -, uma nova geração de pessoas educadas e criadas de outra maneira. É por isso que não houve surpresa quando o almirante Mike Mullen, presidente do Estado-Maior Conjunto do Exército dos EUA, passou metade do dia viajando para chegar até a mais nova escola de Mortenson e participar de sua inauguração. O percurso foi divertido. Nosso helicóptero zigue-zagueou por entre as montanhas, de Cabul até o Vale do Panjshir, antes de aterrissar na vila de Pushgar. Imagine uma escola nova instalada na Lua, para se ter uma ideia da desolação rochosa da paisagem. Ali estava Mortenson, com roupas afegãs, cercado por homens barbados e crianças. Ele me contou por que ele dedicou a vida à construção de 131 escolas seculares para meninas no Paquistão e outras 48 no Afeganistão. "Trata-se de dinheiro bem investido. Estamos falando de escolas que formarão uma nova geração de crianças com uma visão de mundo mais ampla. Procuramos nos concentrar em áreas onde o serviço de educação é inexistente. O extremismo religioso prospera em regiões de isolamento. Quando uma menina recebe educação aqui e depois se torna mãe, a probabilidade de ela permitir que seu filho se torne um insurgente é muito menor", disse. "Quando uma menina aprende a ler, uma das primeiras coisas que faz é ensinar isto à mãe. As meninas trazem para casa carne e legumes embrulhados em jornal, e a mãe pede à filha que leia o jornal para ela, aprendendo sobre política e sobre a exploração a que são submetidas as mulheres." Mortenson destacou que não existe coincidência no fato de o Taleban ter atacado e fechado mais de 640 escolas no Afeganistão e 350 no Paquistão desde 2007, das quais 80% eram escolas para meninas. O vale onde estamos é seguro, mas na Província de Helmand, ao sul, onde os piores combates são travados, o Taleban fechou 75 das 228 escolas no último ano. É este o verdadeiro embate de ideias. O Taleban quer ver mesquitas públicas, em vez de escolas públicas. Perguntei a algumas alunas o que elas queriam ser quando crescer. "Professora", gritou uma delas. "Médica", gritou outra. Morando aqui, esses são os únicos modelos profissionais que essas meninas encontram. Onde elas estudavam antes? "Na mesquita", disseram. Mortenson revelou que, no início, criticava a presença do Exército americano no Iraque e no Afeganistão, mas mudou de opinião. "Os americanos aprenderam muito. Eles compreendem a natureza do problema. Tudo gira em torno da construção de relacionamentos a partir do zero, ouvindo os afegãos e servindo suas necessidades." Em termos gerais, continuo sem saber se a guerra no Afeganistão faz sentido. Tinha dúvidas antes de chegar e continuo indeciso. Ao ver duas meninas afegãs agachadas no chão da sua nova escola, agarradas a cadernos que receberam de um almirante americano - como se fossem suas primeiras bonecas -, é difícil dizer simplesmente "Vamos deixar esse lugar para trás". Ainda não. *Thomas Friedman é escritor e especialista em Oriente Médio

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