Especialistas questionam produção de petróleo do Iraque

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Por Agencia Estado
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A idéia de que a derrubada de Saddam Hussein numa guerra liderada pelos EUA significaria um aumento na produção de petróleo do Iraque é provavelmente apenas um sonho. O país tem conseguido produzir grandes quantidades de petróleo - apesar de 12 anos de sanções, escassez de investimentos e a própria interferência do líder iraquiano - devido apenas à tenacidade de seus técnicos petrolíferos. Mas o preço de os iraquianos terem mantido o petróleo bruto fluindo foi o de levar sua indústria petrolífera, literalmente, para o fundo da terra. Engenheiros fecharam pelo menos um poço nos campos de Jambur Norte depois que o revestimento dos tubos ficar tão seriamente corroído que a parte externa do poço afundou na terra. A indústria de petróleo do Iraque já estava em condições "lamentáveis" três anos atrás, segundo uma equipe visitante de especialistas da ONU que relataram o colapso do poço em Jambur Norte. Evidências circunstanciais sugerem que as condições dos campos de petróleo iraquianos, refinarias e terminais de exportação se deterioraram ainda mais desde então. O Iraque tem as segundas maiores reservas confirmadas de petróleo do mundo e, em 1990, era capaz de extrair 3,5 milhões de barris por dia. Agora sua capacidade é de 2,8 milhões e tem caído em 100.000 barris a cada ano. Alguns analistas argumentam que o Iraque necessitaria de vários anos e dezenas de bilhões de dólares para elevar sua capacidade bem acima do que a que tinha antes da Operação Tempestade no Deserto. Qualquer aumento de produção dependeria do preço do petróleo no mercado internacional, da extensão dos danos numa guerra e das políticas do novo governo iraquiano. A noção de que a produção de petróleo do Iraque iria aumentar rapidamente assim que as armas se calarem "não é um cenário muito realista", disse Michael Rothman, da Merril Lynch, em Nova York. "A questão não é ressurgimento. A questão é tempo, tentar reconstruir a capacidade básica". O Iraque tem reservas comprovadas de 112 bilhões de barris de petróleo. Apenas a Arábia Saudita tem mais. A ameaça imediata à sua riqueza petrolífera viria de uma estratégia de terra arrasada do Exército de Saddam. No pior dos casos, a destruição poderia superar os danos que o Iraque causou aos campos de petróleo no Kuwait em 1991. A fim de evitar tal desastre, os EUA e seus aliados têm de proteger o mais rapidamente possível os campos de petróleo iraquianos. Suas tropas poderiam também ajudar a evitar que senhores da guerra do Iraque capturem partes da infra-estrutura petrolífera, advertiu Valerie Marcel, do britânico Instituto Real de Assuntos Internacionais. Uma guerra quase certamente iria interromper a maior parte das exportações de petróleo iraquianas, fazendo com que os EUA e seus parceiros procurem garantir uma rápida retomada dos carregamentos. Se a luta acabar rapidamente, o Iraque poderia começar exportando 2 milhões de barris por dia, avaliou Jan Stuart, do banco ABN Amro, em Nova York. Para manter os carregamentos fluindo, num primeiro momento Washington teria de assumir a administração do programa de troca de petróleo por alimentos da ONU, estabelecido para regular importações e exportações iraquianas, explicou Stuart. O governo dos EUA é sensível a sugestões de que quer explorar para si a riqueza petrolífera iraquiana. O secretário de Estado, Colin Powell, tem insistido que os EUA e seus aliados iriam controlar o petróleo do país em benefício do povo iraquiano. Engenheiros e técnicos da indústria petrolífera iraquiana desempenhariam um papel crucial na reconstrução. Empregados da estatal petrolífera do Iraque têm mantido a produção, apesar da falta de peças de reposição e da suspensão das exportações por parte de Saddam, a fim de tentar punir os EUA e outras nações dependentes de petróleo que apóiam Israel. Eles são pessoas "incrivelmente talentosas" que têm mantido a indústria funcionando com "Band-Aids, orações e só Deus sabe o que mais", considerou Axel Busch, das publicações Energy Intelligence Group. Mas o resultado de seus esforços tem tido um preço. Especialistas da ONU que visitaram o Iraque em 2000 perceberam várias corrosões, escapamentos e poluição nos campos de petróleo e concluíram que alguns poços foram irremediavelmente danificados. Ultimamente, altos níveis de água e de enxofre no petróleo iraquiano indicam possíveis danos. Oleodutos, estações de bombeamento e reservatórios precisam ser aprimorados. A produção iraquiana poderia até mesmo declinar nos primeiros momentos após a guerra, devido à necessidade de reparos críticos. Walid Khadduri, da Pesquisa Econômica do Oriente Médio, estima que serão necessários pelo menos US$ 3 bilhões para fazer com que a produção iraquiana retorne a seus níveis de 1990. Para que o Iraque aumente sua produção para 5 milhões de barris por dia, seriam necessários US$ 10 bilhões. "Não acho que o Iraque possa alcançar 5 milhões de barris por dia em menos de seis anos", adiantou Manouchehr Takin, do Centro para Estudos Energéticos Globais de Londres. Se o governo maximizar a produção, ele poderia extrair até 7 milhões de barris por dia em 10 anos, acrescentou. Para efeito de comparação, a produção diária em dezembro dos dois maiores produtores da Opep - Arábia Saudita e Irã - foi, respectivamente, de 7,75 milhões e 3,6 milhões. Fundos externos seriam essenciais para reconstruir a indústria do petróleo iraquiana. Assim como a disposição de credores externos de perdoar parte da enorme dívida do Iraque, estimada entre US$ 139 bilhões e US$ 220 bilhões. Algumas autoridades americanas querem privatizar a indústria petrolífera iraquiana, em parte para garantir oportunidades para investidores ocidentais. Mas Khadduri, dos Estudos Econômicos do Oriente Médio, adverte que a maioria dos iraquianos iria resistir a tal iniciativa. "Ela iria confirmar todos os temores que as pessoas têm", explicou, "de que esta guerra é por causa do petróleo".

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