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Especialistas questionam retorno geopolítico de presença brasileira no Haiti

Brasil importou capacidades das missões no país para as operações de pacificação dos morros cariocas

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Por Bruna Ribeiro
Atualização:

SÃO PAULO - O Brasil iniciou suas ações na Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (Minustah) em um estilo próprio. Em 2004, a seleção brasileira, que contava com craques como Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Roberto Carlos, arrancou sorrisos do sofrido povo haitiano ao desfilar em tanques pela capital, Porto Príncipe, e depois enfrentar a seleção local. Essa partida de futebol sinalizou o início de uma intensa relação entre o Brasil e o Haiti, muito anterior ao terremoto, que devastou o país há dois anos.

 

 

Tropas brasileiras buscam colocar em ordem a segurança interna e são uma das únicas instituições de apoio aos haitianos em funcionamento. O contingente hoje é de 2166 militares em três unidades básicas. Mas os retornos geopolíticos que o Brasil buscava quando iniciou as operações são questionados por especialistas.

 

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'Armadilha'

Para Gunther Rudzit, coordenador do curso de Relações Internacionais da Faap, do ponto de vista geopolítico o Brasil caiu em uma espécie de armadilha, pois o país viu, na liderança das operações, a chance de se aproximar da ambição de conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. "Tendo em vista que a escolha para um assento de uma futura reforma passa muito mais por um jogo político dentro da geopolítica mundial, não é a credencial militar em missões de paz que vai fazer o Brasil ganhar esse assento", justificou o professor.

 

A aprovação do Brasil no Conselho de Segurança implicaria, além de uma escolha, na reestruturação da ONU. Segundo o pesquisador de assuntos militares da Universidade Federal de Juiz de Fora, Expedito Carlos Stephani Bastos, mesmo se isso acontecer, dificilmente o Brasil conseguiria a vaga. "Somos um país ambíguo. O Brasil caminha em direções quase sempre opostas aos principais membros do Conselho", opinou o pesquisador. "Eu acho difícil eles acharem que somos confiáveis nesse ponto. Então (a participação no Haiti) não ajudou, porque não houve essa reforma".

 

O objetivo de se consolidar como líder regional também não foi atingido pelo Brasil, na opinião de Bastos. "Dizer que o Brasil é líder regional é muito difícil, porque se pegarmos algumas ações de alguns governos vizinhos, teoricamente nossos aliados, percebemos que não temos liderança", disse, referindo-se às barreiras aos produtos brasileiros na Argentina, à declaração da nacionalização da Petrobrás pela Bolívia e a medidas de apoio que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, tem na região. "Então essa missão não fortaleceu liderança, mas mostrou que o Brasil teria capacidade de liderar missões de paz". Já Rudzit pondera que a responsabilização brasileira nas operações e até mesmo no fluxo migratório que se inicia do Haiti para o Brasil se dá justamente pela liderança regional do país.

 

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Experiência nos morros

Não há como dizer que tudo foi em vão. Além de o Brasil desempenhar importante papel na estabilização do Haiti, importamos as capacidades desenvolvidas na liderança de missões para as operações de pacificação dos morros cariocas. "A necessidade de equipar veículos, se proteger melhor, de desenvolver determinados equipamentos, tudo isso foi fruto da experiência lá", reconhece Bastos. "Mesmo não sendo um ganho geopolítico, eu acho que isso foi fundamental, principalmente para o exército", completou Rudzit.

Se o início da relação entre Brasil e Haiti foi consagrada por um amistoso entre as seleções, a retirada das tropas brasileiras pode ser um pouco mais dolorosa. Que o povo haitiano precisa de ajuda, não há discórdia. Mas a permanência do Brasil no país pode sair cara de mais. "Eu acho que se houver essa retirada completa, o Haiti corre um grande risco de sofrer uma desestabilização muito grande. E aí, como fica a situação brasileira?", questionou Rudzit.

 

Ainda segundo Rudzit, apenas uma resolução do Conselho de Segurança poderia assegurar ao Brasil uma saída mais tranquila do Haiti. "Porque aí o Brasil estaria cumprindo um mandato da ONU. Mas se a ONU perceber que a retirada (do Brasil) vai desestabilizar o Haiti, o Brasil terá de ficar lá por muito tempo", disse.

 

Bastos considera que apenas as primeiras operações, entre 2005 e 2007, foram de grande relevância. "Depois disso, acho difícil obter um resultado completo", analisou. "O problema do Haiti é você criar uma estrutura que dê trabalho e consiga transformar aquele lugar de novo em um país. Eu acho que o retorno não foi tão grande assim, até porque o Brasil tem diversos Haitis e quem está resolvendo esses problemas nos nossos Haitis?"

 

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