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Esperança embala posse de Obama

Clareza e franqueza de futuro presidente sobre desafios alimentam confiança do povo americano em novo líder

Por Paulo Sotero
Atualização:

No Capitólio, construído por escravos, o primeiro presidente negro assume o poder. A clareza e a franqueza do novo líder sobre os desafios à frente alimentam confiança até dos republicanos. Em 1983, quando Ronald Reagan sancionou a lei que criou o feriado de Martin Luther King, a ideia de que um negro viria um dia a ocupar o poder nos EUA parecia tão implausível quanto a noção de que o país poderia ter sua extraordinária pujança ameaçada. Hoje, com a economia mergulhada numa crise sem paralelo desde a Grande Depressão, um talentoso e carismático mulato de 47 anos colocará a mão esquerda sobre a Bíblia que Abraham Lincoln - o emancipador dos escravos - usou em sua primeira posse, em 1861, e fará o juramento constitucional que o transformará no 44º presidente dos EUA. Para os americanos, o significado histórico e o sentido de renovação e esperança da transmissão do mando que ocorrerá em Washington está presente desde 4 de novembro, quando o advogado Barack Hussein Obama, um desconhecido fora de seu Estado de Illinois apenas alguns anos atrás, desmentiu as previsões e elegeu-se presidente à frente da maior mobilização de eleitores a que o país assistiu em quase meio século. Ao falar naquela noite, em Chicago, a uma nação perplexa e extasiada pela proeza que acabara de realizar, Obama evocou os dois mais importantes discursos de King, o mártir dos direitos civis e único americano homenageado individualmente com um feriado nacional - celebrado ontem. A PROFECIA DE KING Em 1963, diante das escadarias do Memorial de Lincoln, no lado oposto da esplanada onde Obama toma posse hoje, King redefiniu o sonho americano ao imaginar um país no qual as pessoas seriam julgadas por seu caráter e não pela cor de sua pele. Ciente, na noite da vitória, da herança - esta sim, maldita - que receberia do antecessor, o presidente eleito parafraseou também um trecho do último e profético discurso que King fez em abril de 1968, em Memphis, horas antes de ser abatido a tiros por um racista. O reverendo disse que Deus lhe tinha permitido ir ao topo da montanha e ele tinha olhado do outro lado e avistado a terra prometida. "Há dias difíceis à frente", disse King. "Eu talvez não chegue lá com vocês, mas quero que vocês saibam que, como povo, nós chegaremos à terra prometida." Para milhões de americanos, a posse de Obama representa a concretização da profecia de King. Certamente, eles não esperavam que, ao chegar à terra prometida, encontrariam uma economia em queda livre, a infraestrutura em frangalhos, as Forças Armadas debilitadas, e o prestígio do país no chão. Mesmo os pessimistas teriam dificuldade de imaginar, oito anos atrás, a dimensão dos danos causados pelo governo de George W. Bush, que entra para a história como o mais incompetente e ruinoso da era moderna. Consciente da enormidade do desafio que tem pela frente e do fato de que não lhe é dada a opção de fracassar, o novo líder americano dedicou os dois meses e meio desde sua eleição a ampliar sua base de apoio e a baixar as expectativas dos americanos. Ele sabe que precisa ganhar tempo para aplicar o decrescente número de instrumentos a seu dispor e operar o milagre da ressurreição da economia. Precisa, também, usar com parcimônia o considerável capital político com que chega hoje ao poder, pois, como tem dito, a crise promete ser longa. No entanto, é com um palpável sentimento de esperança e até um certo otimismo que os americanos celebrarão a posse de Obama. Ambos foram reforçados nos último dias pela clareza com que o novo presidente definiu o primeiro objetivo de seu governo - conter a crise e preservar o emprego, sem o que não realizará nenhuma das outras metas. Contribuiu para isso, também, a franqueza com que ele tem falado ao país sobre as dificuldades da tarefa à frente e a necessidade de que todos se sacrifiquem em nome do bem comum, algo que os americanos não ouviam de um líder desde a posse de John F. Kennedy, em 1961. Mesmo entre os republicanos, mais de 70% manifestam confiança na capacidade de Obama de conter a crise. A esperança trazida pela posse do novo líder não parece se limitar a seu país. A decisão de Israel de cessar-fogo em Gaza foi certamente influenciada pela proximidade da posse e sugere que a instalação de seu governo cria expectativas positivas e abre espaço para uma reinserção mais construtiva dos EUA na cena internacional, depois do pesadelo da era Bush. *Paulo Sotero é diretor do Instituto Brasil do Woodrow Wilson International Center for Scholars

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