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Esperança vira frustração no Egito de Sissi

Quatro anos depois da queda de Mubarak, economia ruim e repressão afetam o país

Por CAIRO
Atualização:

De seu apartamento, no quarto andar de um prédio de paredes descascadas com a luz intermitente e um elevador que funciona com ajuda de um gerador, Hisham Khassem observa a Praça Tahrir com um ar melancólico. O entusiasmo de quando viu, do mesmo canto da janela, milhões de manifestantes tomarem as ruas, há quatro anos, se foi. O dia 25 de janeiro marca o aniversário de uma revolução cujos desdobramentos os egípcios ainda tentam digerir e o resultado mais perceptível é a frustração. 

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Nos anos que se seguiram à queda de Mubarak, sucessivos líderes fracassaram até que o general Abdel-Fattah al-Sissi foi confirmado no cargo em maio de 2014 em uma eleição praticamente sem rivais, depois do golpe que derrubou o presidente Mohamed Morsi. 

“O fato é que, quando o regime de Mubarak caiu, não havia nenhum processo político em andamento, ninguém capaz de substituí-lo. Nós não tínhamos um Mandela”, diz Khassem, ativista pró-democracia que fundou na era Mubarak o primeiro jornal independente do país, o Al-Masry Al-Youm. Ele também esteve à frente da Organização Egípcia por Direitos Humanos e foi vice-presidente do Hizb Al-Ghad, partido centrista liberal e secular, que hoje operam com dificuldades. 

A oposição está na cadeia ou isolada, não há liberdade de imprensa e a economia entrou em colapso. A Justiça liberou Mubarak de todas as acusações que pesavam contra ele, ao mesmo tempo em que condenou à morte integrantes da Irmandade Muçulmana – grupo de Morsi. Agentes de segurança do Estado retomaram velhas práticas arbitrárias de antes e o novo governo aprovou lei que tornou ilegais protestos sem autorização prévia da polícia. 

Ainda assim, Sissi desfruta de surpreendente popularidade – exceto entre os islamistas partidários da Irmandade. “Nunca disse que manifestações seriam proibidas, mas 90 milhões de pessoas querem comer, beber, viver e ter certeza sobre seu futuro”, declarou Sissi na terça-feira. “Eu sou mais pró-direitos humanos do que ninguém, mas tenham cuidado ao demandar seus direitos. Tenham cuidado em não nos derrubar com vocês.”

Integrantes do Parlamento que assumiu brevemente em 2012 e ativistas como Khassem renderam-se a esse discurso. Para os liberais, a ameaça de um governo islâmico autocrático para o qual pareciam caminhar Morsi e a Irmandade Muçulmana é maior do que a repressão de Sissi. Eles o veem como um mal necessário para retomar a estabilidade e a economia –prioridades de que poucos egípcios discordam. 

“O país precisa de estabilidade. O Egito não suportaria uma nova revolução. Melhor dizendo, o colapso do Egito não é algo que a humanidade possa se dar ao luxo de deixar acontecer, porque as consequências seriam realmente graves”, diz Khassem.

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A sensação nas ruas é de que os egípcios tentam agora retornar ao ponto de partida, um dia antes da revolução. O impulso por mudanças deu lugar à luta cotidiana pelas necessidades mais básicas. Os sucessivos tumultos provocaram o colapso do turismo, a principal indústria do Egito. O desemprego é endêmico, mais da metade dos egípcios vive com menos de US$ 2 por dia, o país não produz alimentos suficientes para alimentá-los e precisa importar a comida, além de energia.

A queda no número de turistas – de 14,7 milhões em 2010, antes da revolução, para 9,5 milhões em 2013, último dado disponível – pode ser atestada nas vielas desertas do Khan El Khalili, o mais famoso mercado da capital. As lojas vazias e os vendedores, entediados. “Nós precisamos de mais turistas e não de mais tumultos”, disse ao Estado o comerciante Mohamed Saleh, de 67 anos, diante de caixinhas de madeira talhada e outros suvenires egípcios cobertos por uma densa camada de poeira. Vendedores vizinhos ecoaram suas palavras. 

“Nós chegamos a uma situação em que as pessoas odeiam revoluções”, disse Khassem. Lideranças que emergiram ao cenário político pós-revolução, como Mohamed ElBaradei, o Nobel da Paz que foi vice-presidente do Egito por um breve período em 2013, optaram pelo exílio. Nas ruas do Egito, ninguém parece lembrar de Wael Ghonim, ex-executivo do Google que teria inflamado a revolução nas redes sociais.

Com a economia em crise, o Egito se segura na corda de um salva-vidas jogado pelos países do Golfo. Desde o golpe que depôs Morsi, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes disponibilizaram US$ 20 bilhões ao Egito em financiamentos e empréstimos. Com isso, o Banco Mundial espera que a economia egípcia cresça 2,9% este ano, contra 2,2% em 2014. 

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