Espionagem dos EUA na França leva Paris a chamar embaixador americano

Documentos revelados pelo jornal ‘Le Monde’ provam que NSA gravou, em período de apenas 30 dias, mais de 70 milhões de telefonemas no país

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Por Andrei Netto e correspondente em Paris
Atualização:

PARIS - Documentos obtidos por Edward Snowden, ex-agente da Agência Nacional de Segurança (NSA), dos EUA, e revelados na segunda-feira, 21, pelo jornal francês Le Monde indicam que o governo americano espiona em massa governo, empresas e cidadãos da França.

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A investigação mostra que só no período de 30 dias, entre 10 de dezembro de 2012 e 8 de janeiro de 2013, 70,3 milhões de ligações telefônicas foram gravadas de forma clandestina, expondo a privacidade de milhões de franceses e violando segredos industriais e de Estado. A reportagem foi assinada pelo jornalista americano Glenn Greenwald, que tem Snowden como fonte, e Jacques Follorou, do Monde.

Os documentos indicam a existência de um suposto Programa US-985D, o codinome da espionagem sobre a França - a realizada contra a Alemanha, por exemplo, tem os nomes US-987LA e IS-987LB. Os franceses fazem parte da chamada "terceira parte", um grupo de países também formado por Áustria, Polônia e Bélgica, além de Alemanha. Outro grupo, a "segunda parte", envolve Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Em comum, esses países têm o fato de serem "amigos" de Washington, como Brasil e México, e normalmente aliados em questões políticas e econômicas.

Ainda assim, a NSA teria desenvolvido "vários modos de coleta", segundo o Monde. Sempre que números de telefones específicos tocam, o sistema inicia a gravação das conversas. Mensagens de texto, e-mails e históricos de conexão à internet também seriam alvo, a partir de palavras-chave definidas pela agência - associadas ou não a atividades terroristas. De acordo com os documentos de Snowden e a reportagem do Monde, em média 3 milhões de dados são interceptados por dia, com picos que podem chegar a 7 milhões, como ocorreu entre 24 de dezembro de 2012 e 7 de janeiro.

As informações abriram uma aparente crise política entre Paris e Washington. No fim da manhã, o ministro do Interior, Manuel Valls, - responsável pelos órgãos de inteligência do país - qualificou a espionagem de países amigos de "chocante", mesmo termo empregado a seguir pelo primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault. "É inacreditável que um país aliado como os EUA possa espionar tantas comunicações que não têm nenhuma justificativa estratégica ou de defesa nacional", afirmou. Segundo o premiê, o Palácio do Eliseu pediria "respostas claras" e justificativas para as práticas".

Minutos depois, o ministro das Relações Exteriores, Laurent Fabius, convocou o embaixador americano, Charles Rivkin, para explicações. O chanceler estava em Luxemburgo, em reunião, mas fez questão de se manifestar sobre as "práticas inaceitáveis" de Washington. "Nós cooperamos de maneira útil no que diz respeito à luta contra o terrorismo, mas isso não se justifica de forma alguma", afirmou o ministro, garantindo que pediria "esclarecimentos rapidamente".

Minutos depois, Charles Rivkin garantiu que os EUA "começaram a rever a forma como se recolhe informações para encontrar um equilíbrio entre as exigências legítimas de segurança de seus cidadãos e aliados e as exigências ligadas ao respeito à vida privada do qual cada indivíduo tem direito".

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O discurso não aplacou o desejo de Fabius de obter explicações e garantias mais profundas do governo americano. A oportunidade para um entendimento ocorrerá hoje, em Paris, quando o secretário de Estado americano, John Kerry, visita a capital justamente para um encontro com o chanceler.

A revelação de que órgãos do governo, empresas e cidadãos da França, ao lado dos da Alemanha, são um dos alvos preferenciais da NSA deu-se no dia em que um comitê do Parlamento Europeu começou a discutir um projeto de lei que obriga empresas de tecnologia multinacionais a transferir os dados de seus clientes europeus para servidores instalados no continente. A medida atingiria companhias como Google, Yahoo, Facebook, Apple, Microsoft e outras, acusadas de colaborar com a espionagem da NSA.

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