Esquerda perde força na América Latina

Argentina, Colômbia e Brasil são exemplos onde se nota a tendência; alguns países confrontam políticas sociais liberais e canalizam ampla insatisfação com situação atual

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Por Simon Romero
Atualização:

A esquerda latino-americana não tem tido muitos motivos para comemorar. A Colômbia rejeitou o acordo de paz com os rebeldes em outubro, resultando numa vitória do ex-presidente conservador que fez campanha contra a proposta. No mesmo dia, os eleitores brasileiros viram uma derrota nas eleições municipais do partido esquerdista que já controlou o país.

Era apenas outro sinal de mudança para a direita na América Latina. Em menos de um ano, os eleitores ofuscaram o movimento esquerdista na Argentina e elegeram um ex-banqueiro de investimentos como presidente do Peru, enquanto o Congresso votou pelo impeachment da ex-presidente brasileira Dilma Rousseff.

Em 1990, Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do PT, recebeu Fidel e representantes de 40 organizações e partidos para revisar a estratégia revolucionária em meio a crise do socialismo em todo o mundo. Na ocasião, foi criado o Foro de São Paulo Foto: LUIZ PRADO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

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"Dito de maneira simples, os conservadores estão crescendo na América Latina", diz Matías Spektor, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas.

Muitos fatores dão força a essa tendência. A acentuada queda no preço das commodities dificultou o crescimento econômico da América Latina. Ao mesmo tempo, a influência das grandes igrejas cristãs evangélicas está crescendo, e elas confrontam políticas sociais liberais e canalizam uma ampla insatisfação com a situação vigente.

Mas os resultados são os mesmos: líderes que adotam políticas favoráveis ao mercado estão deixando para trás os esquerdistas que dominavam as Américas na década anterior. Antes, presidentes de esquerda poderosos como Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, e Cristina Kirchner, na Argentina, estão agora sendo investigados por corrupção.

Mesmo assim, analistas políticos advertem que a tendência não envolve necessariamente uma rejeição total às medidas que ganharam a admiração e os votos para os governos de esquerda nos anos anteriores. Por exemplo, Michel Temer e Mauricio Macri, presidentes do Brasil e da Argentina respectivamente, expressaram apoio à manutenção dos programas populares de combate à pobreza. O novo presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, recorreu a uma aliança com a esquerda para derrotar a rival, Keiko Fujimori, filha de Alberto Fujimori, ex-presidente peruano que está preso.

De forma semelhante, o voto da Colômbia sobre o acordo de paz ofereceu um exemplo de como a política pode ser imprevisível em algumas partes da América Latina. Líderes de toda a região - de uma ampla gama de formações ideológicas - manifestaram apoio ao pacto, negociado entre o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

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Os colombianos recusaram o acordo em grande medida porque o julgaram muito benevolente à guerrilha, permitindo que a maioria dos combatentes não fosse punida. O resultado, entretanto, também mostrou como os eleitores estavam prontos a rejeitar a oferta do sistema político.

"Eleitores desafiando o governo não é novidade na Colômbia. Esse padrão pode ser observado na Argentina, no Brasil, na Venezuela, no México e em outros países", diz Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, grupo político de Washington.

Líderes de toda a América Latina estão prestando muita atenção à mudança de humor em seus países. No Chile, a presidente Michelle Bachelet retornou ao cargo após uma vitória esmagadora, em 2013, prometendo reduzir a desigualdade.

Contudo, ela mudou a trajetória diante de uma economia em retração e um escândalo de corrupção envolvendo sua família, nomeando um ministro das finanças respeitado pelo setor empresarial. O orçamento do seu governo para 2017 prioriza a tradição chilena de prudência fiscal enquanto contém o estímulo aos gastos.

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No Brasil, país com 206 milhões de habitantes, a mudança para a direita aconteceu em meio a um cenário de crescente divisão política. Os defensores de Dilma Rousseff argumentam que sua deposição foi um golpe, visão que pesou sobre a legitimidade de Temer, seu ex-vice-presidente que se rebelou contra ela.

A mudança para a direita se deteve em algumas partes da região. Na Bolívia, o governo esquerdista do presidente Evo Morales ganhou aplausos do Fundo Monetário Internacional (FMI) por sua gestão da economia. Em setembro, o Banco Central boliviano anunciou que o Produto Interno Bruto (PIB) deve subir 5% neste ano, colocando o país entre as economias que mais crescem na América Latina.

Em recente discurso, entretanto, até mesmo o vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, reconheceu a influência declinante da esquerda na região. "Nós estamos vivendo uma virada histórica na região, há quem fale em retrocesso", afirma o vice, comparando a situação atual com períodos anteriores de ressurgimento conservador na América Latina. "Temos de relembrar o que aprendemos nas décadas de 80 e 90, quando tudo se voltava contra nós."

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