‘Essa barbárie não é só o horror, é algo que não sei explicar’

Um dos responsáveis pela segurança do metrô de Bruxelas fala sobre o socorro às vítimas do atentado de terça-feira

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Por Andrei Netto e Bruxelas
Atualização:

BRUXELAS - Yousseff Benayad Daoudi, administrador de segurança na Sociedade de Transporte Intercomunal de Bruxelas (STIB), é um dos responsáveis pela rede de estações de metrô da capital belga. Na terça-feira, logo após o atentado ao Aeroporto de Zaventem, esse ex-militar foi chamado a examinar uma valise suspeita abandonada na estação de Hankar. Minutos depois, uma bomba explodiria na de Maelbeek.

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Um dos primeiros a chegar ao local para prestar socorro às vítimas, cruzou com a empresária e jornalista brasileira Samla da Rosa, que saía da mesma estação em meio à multidão de feridos. Em entrevista ao Estado, Daoudi relata o que presenciou. 

Você chegou 7 minutos depois do atentado a Maelbeek. Pode contar como foi?

Estávamos em uma intervenção para examinar uma denúncia de objeto suspeito abandonado na estação Hankar, para onde tínhamos sido enviados poucos minutos após o atentado do Aeroporto de Zaventem. Fizemos buscas e não encontramos nada e então fiz um breve relatório à central. Eram 8h30. 

Vocês sabiam que havia uma ameaça de atentados no metrô?

Sim, sabíamos. Alguns minutos depois, me ligaram informando que havia uma explosão na estação de metrô Maelbeek. Chamei todas as equipes para mobilizar o atendimento naquela linha e me dirigi para a região. Ao chegar, a primeira coisa que vi foi a enorme quantidade de vidros quebrados e as pessoas que chegavam à calçada vindas do interior da estação. Elas não pareciam saber o que se passava, estavam desnorteadas, gritando e chorando. Começamos então a orientar essas pessoas, a levá-las para um lugar mais seguro, de forma que pudessem ser atendidos pelos serviços de socorro, que começavam a chegar. 

O que as vítimas diziam sobre o atentado?

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As pessoas contavam ter ouvido uma detonação terrível, um sopro de vento e uma luz muito forte. Como dizer… Pelo estado em que estavam enquanto falavam, demonstravam estar chocadas com o que tinham visto.

Quais são as imagens que lhe vêm à cabeça?

As imagens rodam sem parar na minha cabeça. A primeira vítima que vi foi uma menininha que tinha saído da estação. Ela estava na calçada quando a pegamos. Nós a levamos para a ambulância, porque sua situação exigia que fosse transportada diretamente ao hospital. Ela estava muito queimada, tinha impacto de destroços por todo o corpo e gritava e chorava muito. Sua mãe foi despedaçada. Nós não sabemos onde está seu pai, que está provavelmente morto também. Foi muito chocante. 

E a seguir vieram outros sobreviventes e os corpos, eu imagino.

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Sim, a seguir outros feridos e os primeiros corpos começaram a chegar, e tivemos de voltar nossas atenções para a triagem, selecionando os casos mais graves e os menos graves. Esse trabalho não tinha fim. São imagens que não esperamos ver em uma vida. Trabalhando no metrô, o horror nós vemos com frequência, quando alguém comete suicídio. Mas essa barbárie não é só o horror. É algo que eu não sei explicar. 

Como é trabalhar na segurança da rede de metrô de Bruxelas, que se tornou um alvo potencial de atentados terroristas na Europa?

Acho que, depois desse ato de barbárie, antes de entrar em uma estação os passageiros terão uma dúvida, vão pensar duas vezes sobre as pessoas que possam ser suspeitas ou ter uma atitude estranha. Mas não podemos nos entregar. Não podemos permitir que os terroristas ganhem. É preciso combater esse sentimento. Por isso eu seguir aqui, tentando garantir a segurança do metrô e seguir minha vida. 

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Qual é o estado psicológico de sua equipe?

Somos oito pessoas. Cada pessoa reage de uma forma diferente. Alguns me disseram que tudo está bem, que estão bem. Eu lhes disse que é preciso falar a respeito. Temos o apoio psicológico especializado. Eu mesmo, ao retornar ao trabalho ontem, fui de imediato abordado por um psicólogo. Isso me fez muito bem, porque pude enfim relaxar um pouco. O que quero agora é trabalhar para esquecer tudo o que passou. Isso vai nos ajudar a superar todo esse sofrimento. 

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