Estado de graça chega ao fim

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Por Gilles Lapouge
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Há dias em que tudo dá errado. E para o presidente Nicolas Sarkozy ontem foi um dia sombrio. De um lado, o projeto de reforma da previdência levou às ruas uma multidão de furiosos. De outro, o Palácio do Eliseu anunciou que Sarkozy e Cécilia estão se divorciando. A greve foi dura: os engarrafamentos tomaram conta das cidades. As ruas formigavam de carros e pedestres. A participação foi muito alta. O que surpreende porque o motivo não é digno de consideração. A greve é contra a reforma proposta por Sarkozy para abolir os "regimes especiais" de aposentadoria, que beneficiam os empregados de algumas empresas nacionalizadas desde o fim da 2ª Guerra, permitindo que se aposentem com salário integral depois de 37 anos e meio de contribuição, enquanto para os demais o prazo é de 40 anos. Os "regimes especiais" são um anacronismo e uma injustiça. Apesar disso, nenhum governo conseguiu acabar com eles. Há 12 anos, o primeiro-ministro Alain Juppé tentou e acabou derrubado por uma greve que durou dois meses. Sarkozy teve coragem de atacá-los. Até os socialistas concordam que é imoral perpetuar essa injustiça. Além disso, a população é hostil aos regimes especiais e desaprova essa greve. Os líderes sindicais sabiam disso. Apesar disso, mantiveram a convocação da greve. E, mais estranho ainda, ela teve êxito. É preciso buscar a razão em outra parte. Essa greve traduz a letargia dos franceses. Os primeiros meses de Sarkozy foram agradáveis, mas cansativos: a cada dia uma nova idéia. Contradições. Recuos. Meias-verdades. E não se vê melhora. O crescimento é mais lento. O comércio exterior desfalece. O desemprego aumenta. A inflação começa a dar sinais. E a dívida do Estado, já imensa no governo Chirac, ficou astronômica. As camadas menos favorecidas estão fartas. Sarkozy beneficiou-se de um "estado de graça", que acabou. A mídia, que ficou "às suas ordens", começa a grunhir. E o bizarro governo de Sarkozy, com ministros de direita e socialistas, atira para todo lado. Os ministros brigam entre si. A crise do casal Sarkozy também exaspera. Por isso, embora malconcebida e defendendo uma causa indigna, a greve é um sucesso. O que os manifestantes querem mostrar não é só a defesa dos "regimes especiais". É um basta geral a um governo que fala demais, promete a lua e não consegue muitas estrelas. É nesse sentido que o dia foi memorável. Ele marca o fim do estado de graça e o início da primeira prova de força do poder absoluto de Sarkozy. *Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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