Análise: Estamos nos preparando para que a cúpula Trump-Kim dê errado. Mas e se der certo?

Uma negociação bem-sucedida exige que todos os envolvidos se beneficiem do resultado. Isso significa que todos os lados devem dar e receber.

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Por Sam Nunn e Richard Lugar
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Enquanto os Estados Unidos se preparam para as históricas discussões entre o presidente Donald Trump e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, o governo americano e seus parceiros internacionais têm muito trabalho à sua frente. Caso se consiga uma cúpula bem-sucedida, ela será apenas o começo de um longo e complicado processo.

Eliminar a ameaça nuclear e alcançar estabilidade e segurança na Península Coreana exigirá uma reflexão não convencional e medidas muito mais amplas do que a desnuclearização. Da mesma forma como devemos nos preparar para a possibilidade de a cúpula fracassar, também devemos nos preparar para que ela “dê certo”.

Kim fez um relatório sobre a situação na península coreana em uma reunião do Comitê Central do Partido dos Trabalhadores na segunda-feira Foto: EFE/KCNA

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Os riscos são altos. A Península Coreana é a região mais militarizada do mundo. A Coreia do Norte tem armas nucleares e mísseis de longo alcance que podem chegar aos Estados Unidos, além da Coreia do Sul e do Japão - dois aliados que os EUA prometeram defender.

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O mundo inteiro tem interesse em garantir a segurança das armas nucleares, químicas e biológicas da Coreia do Norte e materiais utilizáveis em armas. O país também tem artilharia localizada a 50 quilômetros de Seul, uma terrível ameaça convencional para a capital sul-coreana e sua população, incluindo milhares de americanos que vivem lá.

Mesmo que os dois líderes fechem um acordo, conquistar segurança e estabilidade e reduzir os riscos catastróficos para a península exigirá negociações intensivas, em nível de especialistas, e implementação abrangente, passo a passo, por muitos meses, ou talvez anos.

Isso não pode ser encarado como uma discussão bilateral entre EUA e Coreia do Norte - deve também incluir China, Coreia do Sul, Japão e Rússia, e deve abordar segurança regional e as preocupações políticas de todas as partes, incluindo questões econômicas e humanitárias.

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Uma negociação bem-sucedida exige que todos os envolvidos se beneficiem do resultado. Isso significa que todos os lados devem dar e receber. A pressão econômica, militar e diplomática ajudou a trazer os norte-coreanos para as negociações, mas chegar a um acordo bem-sucedido exigirá incentivos e punições. Os EUA anunciaram que insistirão que o desmantelamento nuclear seja precedido de benefícios econômicos.

A Coreia do Norte provavelmente insistirá que sejam antecipados substanciais benefícios econômicos. Será que é possível desenvolver ferramentas incentivando que o desmantelamento e a verificação, bem como os benefícios econômicos, ocorram simultaneamente? A história mostra que a resposta é sim.

Enquanto os Estados Unidos e seus parceiros internacionais desenvolvem uma estratégia de negociação e ferramentas para a Coreia do Norte, há lições vitais a serem aprendidas, voltando no tempo, no início dos anos 90, após o colapso da União Soviética.

Em 1991, quando a União Soviética estava se desintegrando, elaboramos uma legislação para fornecer assistência técnica e financeira para o inventário, destruição e descarte de armas nucleares e químicas e seus veículos de entrega na Rússia, Bielorrússia, Casaquistão e Ucrânia. Isso se tornou a Lei Nunn-Lugar de Redução da Ameaça Nuclear Soviética de 1991 - também conhecida como o programa de Redução de Ameaça Cooperativa (CTR).

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Além disso, a iniciativa ajudou a financiar trabalhos científicos produtivos e pacíficos para cientistas que haviam trabalhado no complexo armamentista, e ajudou a evitar a proliferação de seu know-how para outros Estados e participantes não estatais - incluindo o programa extraordinário de laboratórios no qual cientistas russos e americanos trabalharam em cooperação para proteger materiais utilizados em armas nucleares. 

Os Estados Unidos e a Rússia aprenderam a cooperar na redução de ameaças ao trabalharem juntos na implementação do programa, de 1991 a 2012. Com essa valiosa experiência conjunta, se quisermos reconstruir a cooperação entre Washington e Moscou, a Coreia do Norte é um bom lugar para começar.

Acreditamos que este conceito deve ser um componente crítico de qualquer esforço para desmantelar de forma verificável e irreversível as armas nucleares da Coreia do Norte e programas relacionados, assim como evitar a proliferação futura de armas, material ou know-how. 

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Essa cooperação também pode ser usada para convocar milhares de cientistas e engenheiros norte-coreanos, atualmente empregados na fabricação de armas de destruição em massa, para a realização de trabalhos científicos e técnicos pacíficos. Isso também reduziria o risco de proliferação de seu conhecimento letal para outros países ou terroristas.

No contexto de uma Península Coreana mais estável, podemos olhar de uma forma geral para o CTR como modelo. Um plano com uma ampla base para atividades de cooperação na Coreia do Norte forneceria incentivos para o regime de Kim cumprir os compromissos difíceis e a verificação e monitoramento rigorosos que necessariamente farão parte de um acordo sério de desnuclearização.

Embora existam diferenças significativas entre a Coreia do Norte de 2018 e a ex-União Soviética de 1991, o conceito de cooperação na redução de ameaças pode ser uma ferramenta poderosa para apoiar a redução verificável e a eliminação do arsenal nuclear da Coreia do Norte, suas outras armas de destruição em massa e seus sistemas de distribuição. Tal programa poderia ser desenvolvido, financiado e implementado em conjunto com nossos aliados e outros membros da comunidade internacional.

Certamente não existem garantias de que haverá um avanço diplomático, mas devemos estar preparados para aproveitar a oportunidade. Esperamos que o Congresso e a administração Trump usem as lições aprendidas com a Redução Cooperativa de Ameaças para desenvolver um futuro mais pacífico e seguro para a Península Coreana. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

SÃO EX-SENADORES DOS EUA QUE ATUAM NO CONSELHO DE DIRETORES DA INICIATIVA DE AMEAÇA NUCLEAR

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