EUA admitem contatos com golpistas

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Por Agencia Estado
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O governo dos Estados Unidos admitiu nesta terça-feira que, em meses recentes, teve encontros com representantes da oposição ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, inclusive o empresário Pedro Carmona, que ocupou ilegalmente o poder por 48 horas em Caracas. Mas Washington nega haver estimulado o golpe. O reconhecimento dos contatos com figuras envolvidas na malograda tentativa de anular pela força o mandato que Chávez obteve nas urnas veio depois que o The New York Times publicou nesta terça-feira declarações conflitantes de funcionários do departamento de Estado e Defesa não identificados, sugerindo que houve, no mínimo, conivência da administração, ou de setores da administração, no episódio. "Não desencorajamos as pessoas", disse um funcionário do Pentágono ao Times. "Estávamos dando sinais informais, sutis, de que não gostamos desse cara", explicou a fonte. "Não dissemos a eles, ´não, não ousem, e (tampouco) agimos como fomentadores (do golpe), dizendo: ´aqui estão algumas armas, nós os ajudaremos a derrubar esse cara´. Não fizemos isso". Sob um bombardeio de perguntas dos jornalistas, o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer, procurou consertar a declaração publicada pelo Times. "Nossa mensagem é consistente", disse ele. "A situação política na Venezuela é (coisa) para os venezuelanos resolverem pacificamente, democraticamente e constitucionalmente ... e nós dissemos explicitamente aos líderes da oposição que os Estados Unidos não apoiariam um golpe." Mas Fleischer atrapalhou-se ao ser indagado por que Washington, se condenava o golpe por uma questão de princípio, não agiu com clareza moral e acompanhou os países da América Latina na denúncia que estes fizeram da quebra da ordem constitucional na Venezuela, na manhã da última sexta-feira. "Vocês têm que estabelecer a seqüência dos fatos", disse Fleischer, recorrendo à explicação que deu na segunda-feira, segundo a qual tudo decorreu de informações desencontradas e da confusão do momento. "As declarações feitas pelo Brasil e pelo presidente Fox só vieram no fim da tarde da sexta-feira", disse Fleischer. "E, repetidamente, ao longo do dia, lembrei a todos vocês que os eventos eram fluidos." O porta-voz insistiu em que os EUA colocaram-se claramente contra o golpe ao apoiar a resolução adotada na madrugada do último domingo pela Organização dos Estados Americanos (OEA), condenando "a alteração da ordem constitucional" na Venezuela, conforme prevê a Carta Democrática. Quando isso ocorreu, o golpe já havia fracassado, e Chávez estava a caminho de Miraflores. No Pentágono, a porta-voz, Tory Clarke, negou-se a comentar relatos segundo os quais as forças armadas americanas teriam fornecido assistência e apoio de inteligência para os militares golpistas. "Não podemos falar sobre assuntos de inteligência", disse. "Mas posso dizer, enfaticamente, que uma pessoa de nossa seção política que se encontrou recentemente com o chefe do Estado-Maior (venezuelano, envolvido no golpe), deixou muito claro que a intenção dos EUA era apoiar a democracia, os direitos humanos e que, de nenhuma maneira, apoiaríamos um golpe ou atividade inconstitucional." As declarações de Fleischer e de Clarke deixam claro que a possibilidade de um golpe figurou nas conversas entre a administração e os adversários de Chávez. Arturo Valenzuela, professor da Universidade de Georgetown e ex-assessor-sênior para a América Latina do Conselho de Segurança da administração Bush, escreveu nesta terça-feira, em artigo publicado no Washington Post, que o comportamento dos EUA na tentativa de afastar o anti-americano Chávez do poder representou nada menos do que "a traição da democracia". Ele notou que a atuação da administração de George W. Bush constratou fortemente com a de seu pai, o ex-presidente George Bush, que "se opôs vigorosamente à derrubada do anti-americano Jean-Bertrand Aristide no Haiti (em 1991), dando um sinal inconfundível do compromisso dos EUA com a democracia no pós-guerra fria". Igualmente desolado diante do comportamento de Washington no episódio, Michael Schifter, vice-presidente do Diálogo Interamericano, disse à Agência Estado que o governo Bush provavelmente teria tido uma atuação diferente se o secretário de Estado, Colin Powell, não estivesse no Oriente Médio, tentando apaziguar o conflito entre israelenses e palestinos. "Não havia ninguém no comando no departamento de Estado e, como se sabe, a América Latina não é prioridade", disse Shifter. Sua tese é que Powell, que assinou a Carta Democrática da OEA em reunião realizada em Lima, por coincidência no dia dos atentados terroristas em Nova York e Washington, em setembro passado, teria percebido as implicações do evento e acompanhado a América Latina em seu repúdio ao golpe contra Chávez. "A ironia é que o governo de Chávez foi o único que se opôs, em Lima, à Carta Democrática", disse Schifter. Nos bastidores, democratas e republicanos trocavam nesta terça-feira farpas sobre o fiasco diplomático. E, na administração, ficou clara a tensão entre aliados do secretário de Estado-adjunto, o cubano-americano Otto Reich, e do assessor do Conselho de Segurança da Casa Branca para a região, John Maisto. Ambos têm algo em comum, além de trabalhar para Bush: foram embaixadores dos EUA na Venezuela e são, em Washington, pessoas com amplos contatos em Caracas. Grandes Acontecimentos InternacionaisESPECIAL VENEZUELA

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