Trump recua e decreta que imigrantes ilegais e seus filhos sejam detidos juntos

Sob pressão doméstica e internacional, presidente americano volta atrás em sua política de separar famílias que cruzam a fronteira dos EUA; desde maio, 2,3 mil crianças foram enviadas a abrigos e centros de detenção sem a companhia dos pais

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Por Cláudia Trevisan , Correspondente e Washington
Atualização:

Sob pressão doméstica e internacional, o presidente Donald Trump voltou atrás nesta quarta-feira, 20, em sua política de separar famílias que cruzam a fronteira dos EUA com o México de maneira ilegal. Desde maio, pelo menos 2.300 crianças foram enviadas a abrigos sem a companhia dos pais, algumas das quais ainda bebês ou com poucos anos de idade. Segundo informações de representações brasileiras nos EUA, 49 delas são brasileiras - a mais nova é um menino de apenas 5 anos

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Decreto assinado por Trump determina que todos os integrantes da família permaneçam detidos juntos, enquanto durar o processo criminal contra os adultos, sob acusação de violarem leis migratórias dos EUA. Os procedimentos podem se arrastar durante meses, o que certamente levará entidades de defesa dos direitos da criança a questionar a detenção.

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Imagens de menores mantidos em jaulas e a gravação de vozes de crianças que choravam e gritavam por seus pais em abrigos ajudaram a impulsionar a crítica à medida, que se tornou uma das mais impopulares adotadas por Trump desde o início de seu mandato. Integrantes de seu Partido Republicano se declararam contrários à prática e a ex-primeira-dama Laura Bush a comparou aos campos de internamento de japoneses nos EUA durante a 2.ª Guerra – que classificou como um dos mais vergonhosos episódios da história americana. 

Trump assinadecretomigratório ao lado da secretária de Segurança Interna,Kristjen Nielsen (E), e do vice-presidenteMike Pence Foto: Al Drago/The New York Times

“Nós vamos ter fronteiras muito, muito fortes, mas nós vamos manter as famílias juntas”, declarou Trump, que pressiona o Congresso a aprovar recursos para a construção de um muro na fronteira com o México. “Não gostei da visão ou do sentimento de famílias sendo separadas.”

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Mas não está claro se o decreto colocará fim à controvérsia. Trump disse que manterá a política de “tolerância zero” de processar todos os imigrantes que entram no país de maneira ilegal. A diferença é que eles ficarão com os filhos enquanto durar o processo. A determinação esbarra em uma decisão judicial que fixa um limite máximo de 20 dias para o encarceramento de imigrantes menores de idade.

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Trump orientou o Departamento de Justiça a solicitar a modificação do entendimento ao Judiciário, mas não está claro se o pedido será atendido. O limite decorre de um acordo de 1997, adotado em uma ação iniciada por uma salvadorenha de 15 anos que defendia seu direito de ser libertada. O documento estabeleceu uma série de condições em que isso poderia ocorrer. Em 2014, ele foi emendado com o prazo de 20 dias.

“O governo precisa da autorização do Judiciário para manter as crianças detidas além desse período. Se isso não for obtido, voltaremos ao mesmo lugar”, disse Andrew Selee, do Migration Policy Institute. Nesse cenário, Trump teria de decidir entre voltar a separar as famílias ou permitir que todos seus integrantes respondam ao processo em liberdade. A libertação de todos sob fiança era a prática mais comum adotada em governos anteriores.

A outra opção é a aprovação de legislação que proíba a separação familiar. “Nós vamos ao Congresso. Estamos trabalhando em uma projeto amplo”, afirmou Trump, em referência a propostas de reforma do sistema migratório que abrangeria o Daca, o programa que suspende a deportação de menores levados aos EUA quando ainda eram crianças.

Na avaliação de Selee, o presidente recuou de sua posição em razão das fortes críticas que recebeu. “Parece que ele concluiu que separar famílias é politicamente impopular”, declarou.

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O decreto de Trump determina que o Departamento de Defesa use instalações militares para abrigar famílias de imigrantes. Também determina a construção de novas instalações, caso isso seja necessário. Ainda não está definido o procedimento pelo qual as crianças e pais detidos serão reunificados.

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Mais cedo nesta quarta-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, o republicano Paul Ryan, afirmou que colocará amanhã em votação na Casa um projeto de lei sobre imigração que encerraria a prática do governo de separar famílias de imigrantes. "Podemos reforçar nossas leis imigratórias sem separar famílias", disse o parlamentar. "Espero que consigamos aprovar (o projeto de lei) amanhã."

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Na letra fria do projeto, contudo, a forma de evitar as separações seria manter as famílias unidas em centros de detenção de imigrantes enquanto os pais são acionados criminalmente sob a política de "tolerância zero" de Trump.

Líderes republicanos na Câmara têm juntado votos para aprovar a proposta anunciada por Ryan, que eles descrevem como um "compromisso" entre conservadores e moderados no partido para atender a cada um dos "quatro pilares" exigidos por Trump na frente imigratória.

Além de aprovar o uso de US$ 25 bilhões para construir um muro ao longo da fronteira sul dos EUA, a medida ofereceria seis anos de status legal renovável a jovens imigrantes levados ao país por seus pais e que moram em solo americano sem autorização legal.

O projeto também encerraria o programa de diversidade de loteria de vistos, que torna elegíveis a uma permissão de residência 55 mil pessoas por ano de países sub-representados na população dos EUA, e cortaria o programa de vistos com base em parentesco.

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Além da crescente pressão pública para que a política de tolerância zero acabe, Trump também recebeu um pedido de sua filha e conselheira, Ivanka Trump. Ela não fez nenhum comentário público sobre a questão, mas, segundo o presidente, já havia falado sobre o problema de maneira privada.

Obama 

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O predecessor de Trump tinha uma estratégia diferente quando confrontado com o crescente número de famílias imigrantes na fronteira nos últimos anos da sua administração. 

Tipicalmente, famílias da América Central que chegavam até à fronteira e pediam asilo poderiam ser processadas e recebiam a orientação de "comparecer à corte" em determinada data. Elas então eram libertadas juntas, dentro dos EUA, após um breve período sob a custódia do governo, como explicou Theresa Cardinal Brown, diretora de Imigração e Política de Fronteira do Centro Político Bipartidário. 

A administração Obama tentou deter famílias juntas, mas enfrentou uma furiosa resistência de parlamentares democratas e grupos dos direitos dos imigrantes. Mas segundo Theresa houve casos de separação familiar durante o governo Obama em casos em que as crianças pareciam estar sendo traficadas e agentes não puderam confirmar se o adulto era realmente pai ou mãe delas. 

A prática de deter famílias imigrantes brevemente e depois soltá-las, exigindo que elas compareçam perante um juiz, conhecida como a política do "pegar e soltar", tem sido duramente criticada por Trump e republicanos no Congresso. / Com W. POST, NYT. REUTERS, AFP e AP

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