EUA e Rússia trocam farpas em reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre a Ucrânia

A Rússia acusou o Ocidente de aumentar as tensões e disse que os EUA levaram 'nazistas puros' ao poder em Kiev; os EUA acusaram os russos de fabricar pretextos para atacar

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Por Redação
Atualização:

Rússia e Estados Unidos trocaram farpas nesta segunda-feira, 31, na reunião do Conselho de Segurança da ONU devido à concentração de tropas russas na fronteira com a Ucrânia. A Rússia acusou o Ocidente de aumentar as tensões e disse que os EUA levaram "nazistas puros" ao poder em Kiev. Os EUA, por outro lado, acusaram os russos de fabricar pretextos para atacar.

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A reunião do conselho de 15 nações, solicitada pelos Estados Unidos na semana passada, representa a arena mais importante para as duas potências influenciarem a opinião mundial sobre a Ucrânia. O Brasil é uma das nações que detêm um assento não-permanente no conselho, além de ter sido indicado em 2019 como um parceiro extra-Otan pelo então presidente dos EUA, Donald Trump. Ainda assim, o presidente Jair Bolsonaro vai visitar a Rússia em fevereiro, o que pode desagradar os membros da Otan.

A embaixadora dos EUA, Linda Thomas-Greenfield, respondeu que a crescente força militar da Rússia ao longo das fronteiras da Ucrânia é “a maior mobilização” na Europa em décadas, acrescentando que houve um aumento nos ataques cibernéticos e na desinformação russa. “E eles estão tentando, sem qualquer base factual, pintar a Ucrânia e os países ocidentais como os agressores para fabricar um pretexto para o ataque”, disse ela.

Conselho de Segurança da ONU se reuniu nesta segunda-feira, 31, para discutir a situação da Ucrânia. Encontro terminou com troca de farpas e sem ações concretas Foto: Jason Szenes/EFE/EPA

As duras trocas no Conselho de Segurança ocorreram quando Moscou perdeu uma tentativa de bloquear a reunião e refletiu o abismo entre as duas potências nucleares. Foi a primeira sessão aberta em que todos os protagonistas da crise na Ucrânia falaram publicamente, embora o órgão mais poderoso da ONU não tenha tomado nenhuma ação.

Embora mais conversas diplomáticas de alto nível sejam esperadas esta semana, as negociações entre os EUA e a Rússia até agora não conseguiram aliviar as tensões na crise, com o Ocidente dizendo que Moscou está se preparando para uma invasão. A Rússia nega que esteja planejando atacar e exige promessas de que a Ucrânia nunca se juntará à Otan, a suspensão do envio de armas da organização perto das fronteiras russas e a retirada das forças da aliança da Europa Oriental. 

O embaixador russo Vassily Nebenzia acusou o governo Biden de “aumentar tensões e retórica e provocar uma escalada”. "Você está quase torcendo por isso", disse ele, olhando para Thomas-Greenfield. “Você quer que isso aconteça. Você está esperando que isso aconteça, como se quisesse fazer suas palavras se tornarem realidade.”

Ele culpou os EUA pela deposição em 2014 de um presidente amigo do Kremlin em Kiev, dizendo que levou ao poder “nacionalistas, radicais, russófobos e nazistas puros” e criou o antagonismo que existe entre a Ucrânia e a Rússia.

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“Se eles não tivessem feito isso, então nós até hoje estaríamos vivendo em um espírito de boas relações de vizinhança e cooperação mútua”, disse Nebenzia. “No entanto, alguns no Ocidente simplesmente não gostam desse cenário positivo. O que está acontecendo hoje é mais uma tentativa de criar uma barreira entre a Rússia e a Ucrânia”.

Nebenzia deixou a câmara do conselho quando o embaixador ucraniano Sergiy Kyslytsya começou a falar. “Por quanto tempo a Rússia pressionará, perseguirá uma tentativa clara de empurrar a Ucrânia e seus parceiros para uma armadilha de Kafka?” perguntou Kyslytsva.

Rússia tenta bloquear reunião

Como um dos cinco membros permanentes do conselho - junto com Grã-Bretanha, China, França e Estados Unidos - a Rússia tem o poder de vetar qualquer decisão da maioria, por isso, não eram esperadas grandes ações da reunião de hoje. Além disso, o país tentou bloquear a reunião por meio de voto.

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A votação sobre a realização da reunião aberta foi aprovada por 10 a 2, com a oposição da Rússia e da China, e a abstenção da Índia, Gabão e Quênia. A votação precisou de nove votos para ser aprovada.

Segundo fontes ouvidas pela Reuters, o Brasil votou com os Estados Unidos pela manutenção da reunião, atendendo a um pedido dos americanos. O pedido foi feito na tarde de domingo pelo secretário de Estado, Antony Blinken, em uma conversa por telefone com o ministro das Relações Exteriores, Carlos França

O embaixador da China, Zhang Jun, disse que votou contra a reunião pública porque “o que é urgentemente necessário agora é uma diplomacia silenciosa, não uma diplomacia de megafone”.

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Os EUA e seus aliados pressionaram para realizar a reunião na segunda-feira, último dia da presidência rotativa do conselho da Noruega, antes que a Rússia assuma o cargo na terça-feira para o mês de fevereiro.

Mais cedo, diplomatas russos ridicularizaram a reunião, dizendo ser parte de um contratempo fabricado sobre o que eles chamam de temores ocidentais injustificados, instigados pelos Estados Unidos, de que o presidente Vladimir Putin esteja se preparando para invadir a Ucrânia.

Putin, que não fala publicamente sobre a Ucrânia desde dezembro, manteve seu silêncio. Seu porta-voz, Dmitri Peskov, disse a repórteres na segunda-feira que Putin expressaria suas opiniões sobre a situação "assim que determinar que é necessário".

Depois que todos os 15 membros do conselho falaram, os EUA e a Rússia brigaram novamente, com Thomas-Greenfield dizendo que estava “decepcionada” com os comentários de Nebenzia. “Digo à Rússia simplesmente isso: suas ações falarão por si mesmas”, disse ela.

Nebenzia respondeu: “Tudo o que queríamos dizer está em nossa declaração de hoje. No entanto, nós realmente não entendemos quais ameaças, provocações e escalada da Rússia estão sendo comentadas”.

O presidente dos EUA, Joe Biden, disse em comunicado que a reunião foi “um passo crítico para reunir o mundo para falar em uma só voz” para rejeitar o uso da força, buscar a desescalada militar, apoiar a diplomacia e exigir responsabilidade de todos os membros “para abster-se de agressão militar contra seus vizinhos”.

A posição da Ucrânia

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Mesmo com o cerco de tropas russas em sua fronteira, a Ucrânia concorda com Moscou ao dizer que os países ocidentais estão semeando o pânico.

"Para nosso pesar, a mídia norte-americana tem publicado uma grande quantidade de informações não verificadas, distorcidas e deliberadamente falsas e provocativas sobre o que está acontecendo na Ucrânia e ao seu redor nos últimos meses", disse Peskov.

Falar de uma guerra iminente era errado e perigoso, disse o presidente ucraniano Volodmir Zelenski. Isso poderia resultar em instabilidade econômica e social que poderia fazer com que o Estado lutasse para sobreviver. “Não precisamos de pânico”, disse ele.

A Rússia enviou mais de 100.000 soldados para a fronteira ucraniana nas últimas semanas, parte de uma postura cada vez mais agressiva de Putin para proteger e ampliar o que ele vê como a legítima esfera de influência da Rússia na Europa Oriental. O Pentágono disse na sexta-feira que a Rússia reuniu forças suficientes para encenar uma invasão em larga escala da Ucrânia no momento de quiser.

O Kremlin acusou a aliança da Otan de ameaçar a Rússia e exigiu que nunca admitisse a Ucrânia como membro. A possibilidade de uma solução diplomática permaneceu incerta, na melhor das hipóteses.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, terá um telefonema com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, na terça-feira, mas não há planos no momento de marcar uma reunião pessoalmente.

O governo Biden disse que deseja um resultado pacífico para a crise, mas está se preparando para a possibilidade do que comandantes militares americanos disseram ser um conflito armado devastador na Ucrânia. O governo prometeu responder com sanções econômicas paralisantes à Rússia se ela invadir a Ucrânia.

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O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, deve falar com o presidente Putin ainda nesta segunda-feira e visitará a Ucrânia na terça-feira, 1º.

Falando a repórteres antes de sua ligação com Putin, Johnson disse: "O que vou dizer ao presidente Putin, como já disse antes, é que acho que todos nós realmente precisamos dar um passo atrás. Eu acho que uma invasão da Ucrânia, qualquer incursão na Ucrânia além do território que a Rússia já tomou em 2014 seria um desastre absoluto para o mundo e, acima de tudo, seria um desastre para a Rússia.”

Os Estados Unidos e o Reino Unido estão preparados para punir as elites russas próximas ao presidente Putin com congelamento de ativos e proibição de viagens se a Rússia enviar tropas para a Ucrânia, disseram a Casa Branca e o governo britânico nesta segunda-feira.

"Os indivíduos que identificamos estão dentro ou perto dos círculos internos do Kremlin e desempenham um papel na tomada de decisões do governo ou são no mínimo cúmplices do comportamento desestabilizador do Kremlin", disse o porta-voz da Casa Branca Jen Psaki a repórteres./AFP, AP, NYT e REUTERS