EUA exageram em atenção dispensada a líder iraniano

Estrutura de governo do Irã concede a Ahmadinejad poderes muito mais limitados do que supõe o Ocidente

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Por Michael Slackman
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Teerã - Desde sua posse, há dois anos, o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, ganha as manchetes ao redor do mundo com declarações ultrajantes que normalmente têm tanta chance de virar realidade quanto seu engavetado plano de permitir a entrada de mulheres em jogos de futebol. Nos últimos dias, ele causou polêmica em Nova York ao pedir para visitar o Marco Zero e provocou protestos ao anunciar uma participação num debate na Universidade Columbia. Mas é por causa de suas observações provocadoras - como negar o Holocausto e defender que Israel seja riscado do mapa - que EUA e Europa nunca sabem muito bem como lidar com ele. Ao demonizar Ahmadinejad, dizem políticos e especialistas, o Ocidente prestou-lhe um benefício, aumentando seu prestígio no plano doméstico e na região, no momento em que ele se encontrava cada vez mais isolado politicamente por causa do seu estilo independente de governar e das políticas econômicas ineficazes que implementou. Os analistas dizem estar surpresos com a importância que o Ocidente dá ao presidente iraniano, afirmando que isso reflete um mal-entendido geral sobre o sistema iraniano. No Irã, ao contrário dos EUA, o presidente não é nem chefe de Estado nem comandante das Forças Armadas - posições ocupadas pelo aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo, mais alta autoridade religiosa e civil do país. No momento, o poder do presidente deriva de duas fontes: o apoio incondicional de Khamenei e a atração internacional que consegue quando se expressa. O que não quer dizer que Ahmadinejad seja uma figura insignificante. Ele controla a mecânica do governo civil, o orçamento e nomeia pessoas, de governadores a promotores. No campo doméstico, porém, Ahmadinejad não mostra a mesma perspicácia política que usa para exasperar o Ocidente. Dois dos seus ministros deixaram o cargo, criticando sua administração. O diretor do banco central renunciou. Suas promessas de erradicar a corrupção e redistribuir a riqueza do petróleo tropeçaram diante de interesses arraigados. Em vez de dar tanta atenção ao presidente, o Ocidente precisa entender que, no Irã, o que importa é a ideologia revolucionária islâmica. Quase 30 anos depois de o xá ter sido deposto por uma revolta popular, o líder supremo do Irã também detém o título de guardião da revolução. O poder de Ahmadinejad provém não do cargo que ocupa, mas da recusa de Khamenei e alguns líderes da linha dura em se libertarem da identidade revolucionária do Irã, o que torna impossíveis relações plenas com o Ocidente. "Ahmadinejad é um fenômeno", disse Mohammad Ali Abtahi, ex-vice-presidente no governo de Mohammad Khatami. Embora Ahmadinejad esteja na mira de EUA e Europa, diz Khatami, "existem outros políticos radicais muito mais perigosos do que ele". No Irã, a elite política é leal ao sistema e não a um presidente em particular. No dia em que se entender que esse presidente perdeu a utilidade, ele provavelmente entrará para os livros de história ao lado de outros que tentaram mudar o sistema, mas falharam. Os iranianos irão às urnas em menos de dois anos para eleger um presidente. Existem tantas pressões sobre o sistema eleitoral que poucos crêem num escrutínio honesto. Se Ahmadinejad vencer ou perder, não se acredita no Irã que o resultado tenha impacto sobre as relações do país com o mundo ou sua própria sociedade. "A situação vai piorar cada vez mais", disse Saeed Leylaz, economista e ex-funcionário do governo. "Estamos nos encaminhando para um ponto em que nenhuma força interna poderá mudar as coisas".

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