EUA intervêm na formação de grupo de amigos da Venezuela

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Num gesto que demonstrou ao mesmo tempo o desconforto diante da primeira iniciativa diplomática do governo Lula e a preocupação de assumir a paternidade da idéia, o presidente americano George W. Bush interveio nas articulações para a formação de um grupo de países amigos da Venezuela. A formação do grupo foi solicitada pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, ao presidente brasileiro, antes mesmo de Lula tomar posse. Segundo a versão oficial norte-americana, apresentada por fontes anônimas ao jornal Washington Post, a proposta da administração Bush, a ser formalizada nos próximos dias, tem por objetivo esvaziar "uma iniciativa do novo governo esquerdista do Brasil que os Estados Unidos acreditam que seria contraproducente". Em vez disso, o governo norte-americano quer que o Brasil participe de um novo grupo de países integrado pelos próprios EUA, México, Chile e, possivelmente, Espanha, além de representantes do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan. O objetivo é apoiar uma nova tentativa do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), César Gaviria, para produzir um entendimento entre Chávez e seus opositores, que permita uma saída negociada para a crise na Venezuela. Os esforços feitos por Gaviria nesse sentido nos últimos dois meses foram infrutíferos e o confronto entre chavistas e oposicionitas apenas se agravou. Em entrevista à Agência Estado, a embaixadora norte-americana em Brasília, Donna Hrinak, que anteriormente representou seu país junto ao governo de Chávez, disse que o Brasil e os EUA compartilham da preocupação sobre a situação atual na Venezuela. ?Estamos trabalhando em estreita cooperação, juntos e com outros parceiros do hemisfério, para apoiar o secretário-geral da OEA num esforço que resolva o problema de maneira pacífica, constitucional e politicamente viável". Tranqüilidade A preocupação dos EUA sobre o papel brasileiro levou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a telefonar na quinta-feira ao secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, para "tranqüilizá-lo" sobre a iniciativa brasileira e reafirmar que seu objetivo, desde o início, é apoiar uma solução negociada para a crise política do país vizinho, por meio do reforço do trabalho de intermediação conduzido por Gaviria. Amorim esclareceu que embora o Brasil lidere essa iniciativa, um possível convite para os Estados Unidos integrarem essa coalizão não dependerá do governo, mas do secretário-geral da OEA. A explicação dada pelo novo chanceler brasileiro e a iniciativa norte-americana de reivindicar a autoria da formação do grupo de apoio a Gaviria revelam a complexa dança diplomática que a crise venezuelana provoca no momento em Brasília e Washington. Elas mostram, também, que o bom diálogo ensaiado entre o governo direitista dos EUA e o governo esquerdista do Brasil, durante a visita que Lula fez ao presidente George W. Bush no mês passado, passa por seu primeiro teste importante. "As administrações Bush e Lula reconhecem que seus laços bilaterais poderiam ser problemáticos e estão ansiosos em não criarem antagonismos", analisou o Post. Nessa mesma linha, uma fonte oficial norte-americana disse à AE que "é um exagero dizer que o Brasil não está tendo um papel positivo" na busca da solução para o confronto interno na Venezuela. "Nós compreendemos que o Brasil tem um papel a desempenhar e queremos que ele o desempenhe", afirmou um alto funcionário. "Mas será uma iniciativa hemisférica? Ou o Brasil trará países de fora do hemisfério, na primeira atuação do novo governo como líder hemisférico?? Por trás da controvérsia existe também uma desconfiança latente da administração Bush sobre a orientação da diplomacia brasileira no novo governo. Ela é alimentada por um cálculo segundo o qual, tendo decidido afirmar e aprofundar o modelo econômico contra o qual fez campanha, Lula tentaria agradar a esquerda de seu partido com ações na política externa. São os casos da nomeação para o posto de vice-chanceler do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que não esconde sua antipatia pelos EUA e foi punido pelo governo anterior por sua militância contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), e da presença no Planalto de Marco Aurélio Garcia, o influente conselheiro para assuntos internacionais oriundo do Partido dos Trabalhadores e primeiro não diplomata a ocupar tal função. Some-se a isto o predomínio na formulação da política hemisférica de Washington de políticos conservadores e anticastristas, como o novo enviado especial da Casa Branca para a região, Otto Reich, que já foi embaixador na Venezuela, e o futuro secretário de Estado adjunto para o Hemisfério Ocidental, Roger Noriega, que nutrem profunda antipatia por Chávez. Ambivalência De acordo com uma fonte oficial, "não há ambivalência" em Washington sobre uma forte atuação do Brasil. A formação de um grupo de países amigos da Venezuela foi solicitada por Chávez a Marco Aurélio, em visita que este fez a Caracas ainda como enviado especial de Lula antes da posse do novo governo, segundo ele próprio contou à AE na ocasião. Está claro, no entanto, que a maneira como as articulações foram conduzidas pelo novo governo causou preocupação na administração norte-americana. "Divergimos quanto ao papel de Gaviria", disse o alto funcionário. Segundo ele, não estava claro inicialmente se seria um grupo de apoio a Gaviria, ou uma tentativa de começar algo completamente diferente, com a participação de países sugeridos pela Venezuela, incluindo Rússia e França, por exemplo. ?O Brasil e o próprio Gaviria não estavam convencidos de que o secretário-geral deveria trocar o papel de facilitador que teve até agora por um papel mais assertivo de mediador. Gaviria compreende que está num impase?, disse o funcionário. Ele afirmou que a situação está evoluindo. ?Estamos em contato constante com o governo brasileiro e caminhamos para a formação de um grupo de países amigos da Venezuela, mas ainda não chegamos lá." O grupo incluiria países do hemisfério e talvez países com status de observadores na OEA, como a Espanha, com o objetivo de respaldar Gaviria na mediação de um acordo sobre um processo eleitoral acelerado, que antecipe um referendo revocatório que a constituição venezuelana prevê para agosto deste ano. A simpatia de Washington pela inclusão da Espanha deve-se, em parte, ao fato de o governo de Madri ser conservador. Um acordo que permita uma solução da crise deve passar pela aprovação de uma emenda à nova "constituição bolivariana" da Venezuela por um Congresso dominado por aliados de Chávez. Tanto em Washington quanto em Brasília há, no entanto, o temor de que qualquer solução que possa ser encontrada será apenas um primeiro passo, com efeito no curto prazo, mas que não dará estabilidade à Venezuela se as forças políticas e sociais no país não se empenharem para diminuir os enormes antagonismos que as separam.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.