EUA temem que cooperação nuclear com sauditas resulte em programa militar

Mohammed bin Salman insiste em produzir seu próprio combustível nuclear, o que elevou temores de que ele possa desenvolver armas atômicas

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WASHINGTON - Antes de o herdeiro da coroa saudita, Mohammed bin Salman, ter sido implicado pela CIA na morte do jornalista Jamal Khashoggi, agências de inteligência do governo americano investigavam um mistério paralelo: estaria o príncipe preparando o terreno para desenvolver armas nucleares na Arábia Saudita?

O príncipe saudita Mohammed bin Salman durante a conferência sobre investimentos em Riad Foto: Bandar AL-JALOUD / Saudi Royal Palace

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Bin Salman, de 33 anos, está supervisionando uma negociação entre os Departamentos de Estado e de Energia dos EUA sobre a venda de projetos para usinas nucleares na Arábia Saudita. O acordo é estimado em mais de US$ 80 bilhões, dependendo de quantas usinas os sauditas construírem. Especialistas em energia nuclear estimam que a Arábia Saudita pretenda construir até 16 usinas nucleares nos próximos 25 anos. 

Há, no entanto, um sinal de alerta: o herdeiro saudita insiste em produzir seu próprio combustível nuclear, mesmo que importá-lo de outros países seja mais barato. Isso aumentou temores em Washington de que o país pretenda transformar o desenvolvimento de combustível físsil em um projeto secreto de desenvolvimento de armas atômicas – exatamente o que os EUA e a União Europeia acusavam o Irã de fazer antes do acordo nuclear de 2015, rejeitado pelo presidente Donald Trump. 

O alerta disparou quando o príncipe herdeiro disse, no começo deste ano, no meio das negociações com os EUA, que o país poderia desenvolver armas atômicas. “Não queremos adquirir a bomba”, disse ele ao programa de TV 60 Minutes. “Mas, sem dúvida, se o Irã desenvolver uma, faremos o mesmo o quanto antes.”

Os temores sobre as intenções nucleares do príncipe cresceram depois de Salman dizer a negociadores americanos que se recusaria a permitir a inspeção das Nações Unidas em locais do futuro programa nuclear saudita. 

Questionado pelo Congresso americano em março sobre as negociações, o secretário de Energia, Rick Perry, desviou de uma pergunta sobre se o governo Trump insistiria no veto à produção de combustível nuclear pelos sauditas. 

Hoje, oito meses depois, a Casa Branca não revela em qual estágio estão as negociações. A morte de Khashoggi, que era colunista do jornal Washington Post, e a sequência de negativas sobre o envolvimento do príncipe no caso, levantaram questionamentos sobre se o reino seria transparente com a questão da tecnologia nuclear. Se o urânio for enriquecido a 4%, ele é usado para fins civis. Se chegar a 90%, para fins militares. 

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Em privado, fontes da Casa Branca argumentam que, se os EUA não venderem equipamento nuclear para os sauditas, outro país o fará – provavelmente, a Rússia, a China ou a Coreia do Sul. Além disso, o acordo garantiria benefícios comerciais para o complexo militar-industrial americano. 

Ainda de acordo com essas fontes, assegurar que os sauditas usem reatores construídos pela empresa americana Westinghouse se encaixa na visão de Trump de que empregos, petróleo e a aliança com Riad são mais importantes que a morte de um dissidente que vivia nos EUA. 

Segundo as regras que regem acordos nucleares desse gênero, o Congresso dos EUA teria o poder de rejeitar o acordo, mas precisaria de uma maioria qualificada para impedir Trump de suplantar o veto legislativo. 

“Uma coisa é vender aviões, outra é vender bombas nucleares ou a capacidade de construí-las”, disse o deputado democrata Brad Sherman, da Comissão de Assuntos Exteriores da Câmara. “Um país que não pode ser confiável nesse caso (do jornalista morto), não pode ser confiável com armas atômicas.”

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Especialistas em energia nuclear dizem que o príncipe deveria ser desqualificado para projetos de cooperação nuclear assim que falou publicamente em competir por bombas com o Irã. “Nunca antes cogitamos, muito menos concluímos, uma cooperação nuclear com um país que ameaçou abandonar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP)”, disse William Tobey, ex-membro do Departamento de Energia no governo de George W. Bush. 

Após a viagem de Perry a Riad, no fim de 2017, o Departamento de Estado dos EUA discutiu com seus aliados europeus a cooperação nuclear com os sauditas. 

O Ministério de Energia do reino disse em comunicado que o propósito de seu programa nuclear é pacífico. “O governo saudita optou pelo projeto não apenas para diversificar fontes de energia, mas também para contribuir com nossa economia e repetidamente pediu por um Oriente Médio livre de armas nucleares.” / NYT

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