Europa perde rastro de 28 menores por dia após travessia do Mediterrâneo

De acordo com a ONG Oxfam, semanas depois, a maioria dos jovens reaparece nas principais capitais da Europa, em condições de extrema precariedade; somente na França, há 10 mil imigrantes menores de idade, isolados, sem família ou responsável

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Por Andrei Netto , correspondente e Paris
Atualização:

PARIS - Aboubakar Ali deixou o Chade, país de 14 milhões de habitantes na África Subsaariana, há sete meses. Sua família havia retornado ao país natal, deixando a Nigéria em fuga das atrocidades do grupo terrorista Boko Haram. Aos 16 anos, Abou não aceitou voltar e decidiu partir.

De acordo com a ONG Oxfam, que presta auxílio a imigrantes em toda a União Europeia, entre 100 crianças ou adolescentes imigrantes que chegam à Europa, 28 desaparecem por dia na Itália, a porta de entrada para 85% dos imigrantes, em meio ao caos da chegada. Semanas depois, a maioria dos jovens reaparece nas principais capitais da Europa, em condições de extrema precariedade.

Imigrantes são removidos de ruas de Paris, onde muitos vivem da ação de ONGs e da generosidade de voluntários Foto: AFP PHOTO / Eric FEFERBERG

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Abou colocou uma muda de roupas em dezembro em uma mochila e, sem dinheiro, foi para a Europa – sem avisar os pais. A opção lhe custou caro: foi detido por 15 dias e torturado na Líbia, onde passou fome e sede antes de obter um lugar em um bote inflável, no qual atravessou o Mediterrâneo há três meses. Na Itália, perdeu o lugar em um centro de acolhimento e, até a sexta-feira, vivia sob um viaduto do bairro popular Porte de la Chapelle, em Paris. Na rua, alimenta-se quando pode e vive a expectativa de um sonho pouco realista: o de se fixar na Inglaterra.

Abou é um dos cerca de 10 mil jovens imigrantes, menores de idade e isolados, sem família ou responsável, que vagam pela França. Outras dezenas de milhares, a maioria originária de países subsaarianos em guerra, sob a ameaça terrorista ou em situação de pobreza extrema, como Chade, Sudão ou Níger, estão em situação semelhante nas principais cidades da Itália, da Espanha ou da Alemanha. 

Em geral, estão à espera de uma oportunidade em um centro de acolhimento ou da realização de um desejo distante: o de estudar, trabalhar e integrar-se na Europa. Segundo a Organização Internacional para Imigrações (OIM), em 2016, 25 mil crianças e adolescentes fizeram a travessia do Mediterrâneo – duas vezes mais que em 2015. Pesquisa da Unicef mostra que 75% deles enfrentam humilhações, agressões, assédio ou violência ao longo do caminho. 

Depois de enfrentar o risco da travessia pelo mar – onde 4,5 mil pessoas morreram no ano passado, das quais 700 crianças e adolescentes –, continuam sujeitos às redes de tráfico de seres humanos, à exploração e, mais uma vez, à violência, até mesmo sexual.

Abou conhece os riscos. No Mediterrâneo, só sobreviveu porque o bote de plástico lotado foi resgatado por um barco de uma ONG alemã. “Fomos levados para um centro de imigrantes na Itália. Um dia, saí e acabei me perdendo durante dois dias. Ao voltar, me disseram que não tinha mais lugar, que agora era livre e poderia ir para onde eu quisesse.”

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Desde então, vaga pela Europa, sem documentos, sem dinheiro, sem roupas ou alimentação regular. Vive da ação de ONGs e da generosidade de voluntários do lado de fora de um centro de acolhimento no norte de Paris – de onde cerca de 1,5 mil pessoas foram retiradas na sexta-feira para centros de acolhimento no interior da França. 

“Eles me ofereceram um local em um centro de acolhimento, mas eu não quis ir. O problema é que não tenho dinheiro. Sei que não é fácil, mas não quero ficar na França, porque quero ir para a Inglaterra”, diz o jovem. 

Ali Idriss, sudanês de 16 anos que vivia em Darfur antes de partir para um périplo por Egito, Líbia e Itália antes de chegar à França, há oito meses, é outro que vive nas ruas de Paris depois de atravessar o Mediterrâneo pagando € 100 por um lugar em um bote inflável. “Aqui não tenho ninguém. Vim sozinho, não tenho notícias de minha família, nem de amigos”, conta o jovem, que também sonha em chegar a Londres. 

“Darfur não tem liberdade, é muito difícil, perigoso, as pessoas são assassinadas por nada. Eu preciso ir à escola e trabalhar. Por isso, estou tentando ir para a Inglaterra”, diz Idriss, que já tentou a sorte escondendo-se em caminhões que cruzam o Canal da Mancha.

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Sudanês de 16 anos, Mohamed Mussah vive na Europa há dois meses, depois de passar por Chade, Níger, Líbia e Itália, após quatro dias no mar. “Na Líbia, fui preso. Fiquei oito ou nove meses no país, quebraram minha perna me espancando e, até hoje, não fiquei bom. Quem não tem dinheiro para o transporte vai para a prisão. Eles batem nas pessoas sem razão nenhuma e alguns são mortos”, conta. 

Desde sua chegada, ele se tornou um andarilho isolado e ainda não teve coragem de contatar o pai, a mãe e os irmãos, nem para dizer que está vivo. “Aqui não tem um lugar para ficarmos, nada para comer”, afirma Mussah, constrangido por viver na rua, sob um viaduto. “Eu só quero ir para a Inglaterra. É o que todo mundo quer.”

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