Europa se divide sobre como combater disparada de casos causados pela Ômicron

Enquanto alguns países impõem restrições duras em face aos casos de covid-19 em crescimento, outros, incluindo a França, estão apáticos neste momento 

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Por Norimitsu Onishi e Nicholas Casey
Atualização:

PARIS — Os holandeses podem convidar apenas duas pessoas às suas residências, como parte de um novo lockdown. Na Dinamarca, onde uso de máscaras e restrições sociais tinham praticamente desaparecido graças a uma bem-sucedida campanha de vacinação, cinemas, parques de diversão, zoológicos e outros estabelecimentos voltaram a fechar. 

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Em contraste, a França descartou a possibilidade de colocar novos lockdowns, toques de recolher ou interdições, num continente em que novas regras para conter a transmissão do coronavírus são anunciadas diariamente, em face à veloz disseminação da variante Ômicron. “A exceção francesa”, dizia a manchete do jornal Le Parisien na segunda-feira.

Por enquanto, a França — assim como a Espanha e, em menor medida, a Itália — está apostando que sua alta cobertura vacinal e as doses de reforço dos imunizantes, juntamente com as restrições aplicadas anteriormente, serão suficientes para controlar a nova cepa do coronavírus, adotando uma atitude de esperar para ver num momento em que o senso de urgência toma os Países Baixos, a Dinamarca e o Reino Unido. Os números da pandemia mostram por quê.

Tradicional árvore de Natal gigante sob a cúpula da Galeries Lafayette fica, em Paris Foto: Christophe Petit Tesson/EFE

Em Londres, o número de novos casos de covid saltou em 30% na semana passada, e o prefeito declarou um estado de “incidente grave” — um status de emergência que libera recursos públicos. A Dinamarca está registrando atualmente mais de 9 mil casos diários, um dos mais altos índices de infecção no mundo. E os Países Baixos se tornaram o primeiro Estado europeu a retornar para o lockdown completo, em meio a temores de que seu número relativamente pequeno de leitos de UTI seja insuficiente. 

Espanha, Itália e França apresentam índices mais baixos de novos casos de covid por 100 mil habitantes do que alguns de seus vizinhos do norte, pelo menos por agora. 

Antoine Flahault, diretor do Instituto para Saúde Global em Genebra, afirmou que países do norte da Europa “tenderam a ser mais proativos em se movimentar rapidamente e não querer ter hospitais com capacidade esgotada”. Para os países do sul, afirmou ele, restrições e lockdowns são “sempre o último recurso”. 

Em todos os países, preocupações econômicas e políticas — a poucos dias do Natal — também estão guiando os governos em meio às incertezas a respeito da gravidade do risco que a nova variante apresenta. Epidemiologistas têm alertado que mesmo se a Ômicron eventualmente se mostrar menos virulenta, sua veloz disseminação ainda poderia mandar enormes quantidades de pessoas para os hospitais.

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Os alertas lembram alguns dos momentos mais incertos no começo da pandemia, ao mesmo tempo que o aumento no número de novos casos dá aos países europeus a perspectiva de um segundo Natal consecutivo obscurecido por medidas restritivas, banimentos de viagens e temores sobre o possível esgotamento de capacidade dos sistemas de saúde 

Passageiros em metrô de Londres em horáriode rush, alguns com máscaras, outros não Foto: Victoria Jones/PA via AP

Os governos estão acelerando a aplicação de doses de reforço das vacinas à medida que acumulam-se evidências científicas de que duas doses não não suficientes para impedir a infeção pela Ômicron, apesar de os imunizantes parecerem reduzir o risco de hospitalização por covid e casos graves da doença. Os Estados Unidos estão olhando atentamente para Reino Unido e Dinamarca atrás de pistas do que poderá acontecer em seu território, já que ambos os países são eficientes em rastrear variantes do coronavírus. 

Na França, o governo afirmou que a previsão é que a Ômicron tenha causado centenas de casos e que a cepa se tornará dominante até o início do próximo mês. Uma média de52.471 novos casos diários de covid foi registrada na França na semana passada, de acordo com a base de dados do New York Times, uma elevação de 23% em relação à média duas semanas antes. 

O governo do presidente Emmanuel Macron tem encorajado a vacinação emitindo passes de saúde para as pessoas que se inoculam e tem conseguido manter escolas e a maioria dos estabelecimentos abertos. Mais de 70% da população francesa foi vacinada com duas doses, mas cerca de 6 milhões de habitantes não tomaram nem sequer a primeira.  

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Restrições poderiam erodir esse sucesso a apenas quatro meses das eleições presidenciais.

O governo francês colocou o foco em intensificar restrições para pessoas não vacinadas no ano que vem, tornando a vacinação a única maneira de obter os passes de saúde — atualmente, os franceses podem conseguir o passe também com um teste negativo para covid. 

O governo francês também diminuiu de cinco para quatro meses o intervalo entre a aplicação da segunda dose e a dose de reforço. Até agora, aproximadamente 17,5 milhões de franceses tomaram doses de reforço, cerca de 36% das pessoas que se vacinaram com duas doses. 

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“É irritante, mas este ano pelo menos temos um pouco mais de espírito natalino do que no ano passado, quando havia um toque de recolher”, afirmou Sherryline Ramos, estudante de comunicação que passeava com um amigo pela Champs-Élysées, em Paris. “Não podíamos sair para admirar as decorações de Natal.” 

Na Espanha, também houve pouco apetite para um retorno às restrições que se tornaram comuns durante as ondas anteriores da pandemia. Anteriormente ao feriado de Natal, essa manobra é considerada traiçoeira tanto politicamente quando economicamente. 

Na semana passada, as autoridades espanholas elevaram o nível de alerta no país, que apresenta atualmente uma taxa de 50 infecções por coronavírus a cada 100 mil habitantes, o índice mais alto em meses. Mas na segunda-feira, o primeiro-ministro Pedro Sánchez sinalizou uma abordagem de esperar para ver, notando que as hospitalizações por covid permaneceram mais baixas na Espanha do que em qualquer outro país da Europa e que as vacinas parecem estar cumprindo sua função. 

“Com números de contágios notavelmente mais altos, temos menos ocupação em hospitais ou leitos de UTI do que um ano atrás”, afirmou ele. “A primeira conclusão é que a vacinação funciona e que a única maneira de deter essa crise sanitária é pela ciência.” 

Especialistas em medicina concordam que os altos índices de vacinação na Espanha diferencia o país em relação a outros Estados europeus. Mais de 80% dos espanhóis estão completamente vacinados. 

Manifestantes protestam contra a exigência do passe de saúde para entrar em bares e restaurantes em San Sebastian, na Espanha Foto: Vincent West/Reuters

Mas alguns na comunidade de especialistas em saúde pública expressaram preocupações em relação à atual abordagem do governo. Rafael Vilasanjuan, diretor de políticas do ISGlobal, um instituto de análise e pensamento sobre saúde pública de Barcelona, afirmou que, enquanto países do norte da Europa movimentam-se com urgência para tentar diminuir a disseminação da Ômicron, a Espanha poderia estar perdendo um tempo valioso para se antecipar à nova variante do coronavírus. 

“Não estamos numa situação em que podemos pensar que a vacina é suficiente”, afirmou ele. “Podemos em algum momento vir a estar na mesma situação dos outros em relação a hospitalizações.” 

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Vilasanjuan afirmou que a Espanha deveria considerar várias medidas que outros países aplicaram, incluindo instituir um passaporte nacional de vacinação e pressionar os cidadãos mais ativamente a evitar grandes reuniões, mesmo durante os feriados de fim de ano. Ele notou que, ainda que os números da Ômicron na Espanha não tenham chegado aos índices vistos em outros países, a incidência da nova variante aumentou em cidades como Barcelona, representando atualmente cerca de um terço dos testes PCR positivos para covid em alguns hospitais. 

José Martínez Olmos, ex-secretário-geral de saúde da Espanha que agora leciona na Escola Andaluza de Saúde Pública, em Granada, afirmou que medidas voluntárias podem não ser suficientes a longo prazo. Martínez disse que o governo em breve poderá precisar impor novas restrições a atividades públicas, como limitar a quantidade de clientes em restaurantes, hotéis, teatros e cinemas, assim como reduzir o período de atividade desses estabelecimentos. 

E, por mais difícil que seja aplicar regras na Espanha, o governo precisa recomendar limites às atividades natalinas, afirmou Martínez. “Precisam recomendar que pessoas reunidas para a ceia de Natal fiquem em ambientes fechados o mínimo possível, porque é nas interações sociais que elas correm mais risco”, disse ele.

Na Itália, o governo está considerando impor novas restrições em meio às preocupações com a Ômicron, mas o primeiro-ministro Mario Draghi afirmou na segunda-feira a decisão final ainda não foi tomada. 

O governo italiano fez da campanha de vacinação a prioridade nacional. Em outubro, a Itália se tornou o primeiro grande país europeu a exigir o “Passe Verde” de todos os trabalhadores. Desde então, o governo continuou a endurecer as restrições a pessoas não vacinadas. A partir da semana passada, pessoas que entram na Itália vindo de outros países europeus passaram a ter de apresentar testes-rápidos negativos para covid e comprovantes de vacinação ou atestados de recuperação da doença — ou fazer quarentena. 

A veloz disseminação da Ômicron — especialmente no Reino Unido e na Dinamarca, dois países com altos índices de vacinação — alarmou muitos especialistas. 

A Dinamarca havia suspendido todas as restrições sociais no início de setembro após uma bem-sucedida campanha de vacinação. Mas na semana passada, além de fechar uma série de prédios públicos, o governo dinamarquês baniu a venda de bebidas alcoólicas das 23h às 5h e passou a exigir um passaporte de vacinação validado para os cidadãos usarem transportes públicos dentro das cidades.

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Nos Países Baixos, preocupações sobre os efeitos da Ômicron no sistema de saúde fizeram o governo ordenar, a parti do fim de semana, o fechamento de todos os comércios não essenciais até a segunda semana de janeiro. O número máximo de convidados nas residências das pessoas foi limitado a dois, mas nas vésperas de Natal e ano-novo serão permitidos quatro convidados. 

Michel de Blaeij, de 33 anos, que vive em Terneuzen, uma cidade no sul dos Países Baixos, afirmou que apoia as medidas, mas criticou o que qualificou como uma falta de claridade e consistência do governo. A decisão do governo de mandar as crianças para casa uma semana antes para as férias de Natal complicou a vida de muitos pais, afirmou ele. “A gente não sabe o que deve fazer”, afirmou ele, acrescentando, “O clima geral é de frustração neste momento”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO