Enquanto a Alemanha se prepara para eleger seu próximo chanceler, no domingo, a Europa se prepara para uma grande guinada na hierarquia não oficial de seus líderes. Em quase 16 anos à frente da maior economia da Europa, Angela Merkel se tornou a representante de facto no cenário mundial e a principal negociadora da União Europeia por meio de inúmeras articulações e crises.
A Alemanha continuará a exercer uma influência imensa. No entanto, a experiência e a reputação de Merkel dão a ela uma força que nenhum de seus sucessores poderia ter, pelo menos não a curto prazo. Sua partida criará uma abertura para outros líderes se firmarem. Alguns favoritos surgem na briga. O presidente francês, Emmanuel Macron, chefe da segunda maior economia da União Europeia, tem lutado há anos para ser o próximo líder da Europa. O primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, mais conhecido por salvar o euro quando era presidente do Banco Central Europeu, também tem várias das credenciais necessárias.
No entanto, analistas, políticos e diplomatas tendem a concordar que ninguém sozinho será capaz de substituir Merkel. Em vez disso, dizem eles, provavelmente, surgirá um grupo de premiês e de presidentes, provavelmente, todos homens. “A saída de Merkel cria um problema de liderança, um buraco no coração da Europa”, disse Giovanni Orsina, diretor da Escola de Governo da Universidade Luiss Guido Carli, em Roma.
Será uma mudança marcante no equilíbrio de poder, disse um diplomata da UE, e outros líderes europeus terão de se esforçar. “Isso não pode ser feito apenas por um, tem de ser feito por um grupo”, afirmou ele, falando sob condição de anonimato.
Não se espera que Merkel deixe o cargo imediatamente após a eleição. Os resultados devem ser confusos, as negociações da coalizão podem ir até o fim do ano. A chanceler alemã permaneceria como zeladora até que um novo governo seja formado.
Depois disso, quem quer que chegue ao cargo precisará de tempo para se estabelecer, para só então receber o tipo de atenção que Merkel tem na Europa e internacionalmente. “Qualquer chanceler alemão ocupará uma posição poderosa”, disse Daniela Schwarzer, diretora para a Europa e Eurásia da Open Society Foundation. “Qualquer próximo chanceler alemão trará o mesmo peso do país para a mesa, mas o peso pessoal não será o mesmo.”
Se o Reino Unido ainda fizesse parte da União Europeia, parte do poder poderia ser transferido para o outro lado do Canal da Mancha. Mas, em um mundo pós-Brexit, Londres não pode esperar falar em nome do continente. Portanto, as atenções se voltam para Paris. “As eleições alemãs estão sendo vistas na França como uma oportunidade para uma reinicialização, na qual quem entrar terá menos estatura do que Macron”, disse Nicholas Dungan, do Atlantic Council.
Macron está se preparando para esse momento. Ele passou anos delineando sua visão para a Europa. Mas suas propostas – formar um sistema de defesa comum, reformar a zona do euro, desenvolver uma política comum de asilo e impor um novo imposto aos gigantes da tecnologia dos EUA – não foram adotadas com entusiasmo.
O presidente francês tem usado a recente retirada caótica do Afeganistão e um embate com o governo de Joe Biden sobre um acordo de venda submarinos nucleares para a Austrália para reiterar o apelo à “independência estratégica” da Europa. Líderes europeus disseram que estão com a França na briga e igualmente frustrados com os americanos. Ainda assim, a ideia de uma UE militar está longe de se tornar uma realidade.
“Para a questão de quem vai levar o manto, você já sabe a resposta: será Macron”, disse um diplomata da UE, falando anonimamente. “A próxima pergunta é: ele manterá o manto? Ele só vai ficar nessa posição se conseguir fazer a ponte entre ele, com sua maneira de fazer as coisas, e todos os outros. Esse era o jeito de Merkel.”
Os críticos da líder alemã, no entanto, às vezes usam isso contra ela. Dizem que ela atrasou decisões na União Europeia, em um esforço para preservar o consenso e evitar conflitos – e, ao fazê-lo, permitiu a erosão das normas democráticas em países como Hungria e Polônia. Sua abordagem ganhou até seu próprio verbo: “Merkeln”, que significa hesitar ou aguardar.
“Nesta nova fase, a liderança pode ser coletiva”, disse Sandro Gozi, veterano político italiano que agora representa a França no Parlamento Europeu. “Eu vejo Macron e Draghi como protagonistas.”
Draghi tem se posicionado para assumir um papel de liderança maior. Mas seu próprio domínio é limitado pelo tamanho e influência de seu país. “Algumas coisas você só pode fazer na Alemanha, independentemente da personalidade do líder,” disse Orsina.
Outros líderes estarão se acotovelando por um papel mais importante, incluindo os premiês da Espanha, Pedro Sánchez, e da Holanda, Mark Rutte. Ambos compartilham uma característica com seus colegas de França e Itália: são todos homens. “Após a saída de Merkel, as cúpulas do conselho correm o risco de virar um antigo clube de homens”, disse Schwarzer. “Há um certo elemento em ter uma líder mulher na mesa – o equilíbrio também mudará nesse aspecto, e isso faz diferença na dinâmica do grupo.”
*SÃO JORNALISTAS