Exigências que não fogem do razoável

A reivindicação de Cuba pela devolução de Guantánamo e de reparação pelo embargo é justificável

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Por MARK WEISBROT
Atualização:

O presidente Barack Obama inaugurou uma mudança histórica em dezembro, quando decidiu dar início à normalização das relações com Cuba. Foi o reconhecimento do fracasso de mais de meio século de tentativas de derrubar o governo cubano, com invasões, tentativas de assassinato, embargo econômico e outras iniciativa - em geral, ilegais. Foi também uma concessão à maioria dos países do hemisfério, que, em 2012, informaram Washington que não haveria mais nenhuma Cúpula das Américas sem Cuba. Não foi necessariamente uma mudança dos objetivos americanos, como indicam várias declarações do governo americano de que o propósito de normalizar as relações e a expansão do comércio com Cuba continua sendo uma "mudança de regime" por outros meios. Entretanto, foi um importante avanço. Os Estados Unidos ficaram isolados em relação a todo o globo por dezenas de anos no que diz respeito a esta questão, com repetidas votações contra o embargo na Assembleia-Geral da ONU. Na do ano passado, com o resultado de 188 votos a 2, somente Israel votou com os EUA. Na semana passada, o governo cubano reiterou sua posição: para que as relações sejam normalizadas, os EUA terão não só de pôr fim ao embargo, mas também pagar indenizações pelos danos causados a Cuba e aos cubanos nos últimos 54 anos. O presidente cubano, Raúl Castro, lembrou também Washington de que a prisão da Baía de Guantánamo e a base militar devem ser fechadas e o terreno devolvido a Cuba. As exigências são razoáveis. Em 1903, os EUA obrigaram Cuba a ceder a base militar, e a permissão para intervirem em seus assuntos internos, como uma das condições de sua "independência". E mesmo que ignoremos como se originou o arrendamento, ele foi concedido para a instalação de uma estação naval e de uma escala para abastecimento de carvão para os navios - e não para uma prisão. Portanto, os EUA estão violando os termos do contrato, como se alguém alugasse um apartamento residencial e o destinasse à venda de drogas. Guantánamo é ainda mais uma ofensa para os cubanos, porque é uma prisão ilegal que se tornou infame pelas torturas e pelos abusos contra os prisioneiros, a maioria dos quais foi liberada ou para os quais não foram encontradas provas suficientes que justificassem um processo. A exigência do pagamento de reparações aos cubanos também é razoável. O embargo provocou danos de dezenas de bilhões de dólares em Cuba com a escassez de alimentos e medicamentos, e a falta de investimentos estrangeiros impedindo e não atendendo às necessidades de infraestrutura, como o fornecimento de água potável. É difícil calcular o montante dos danos, mas certamente são muitas vezes maiores do que os alegados pelas empresas e por cidadãos americanos que perderam propriedades nos anos que se seguiram à revolução. É improvável que Washington admita que deve pagar por seus crimes contra Cuba, em parte porque teme que isso abra as comportas das reivindicações de outras nações em que o governo americano contribuiu para assassinatos e destruições em massa, na mesma época: Guatemala, Haiti, El Salvador, Nicarágua, Iraque - só para mencionar algumas. Ao contrário do Japão, por exemplo, cujo governo admite que suas agressões no século 20 contra outros países infligiram graves danos, a posição oficial dos EUA lembra ainda a frase do Monty Python: "Não vamos discutir sobre quem matou quem". Bill Clinton é o único presidente americano moderno que lamentou por todos estes crimes, e pediu desculpas à Guatemala pelo papel dos EUA no longo genocídio perpetrado naquele país dos anos 50 aos 80. Mas suas declarações foram em grande parte ignoradas e rapidamente esquecidas. Portanto, é bom que os cubanos tenham levantado a questão das reparações. Não há mais desculpas pelo embargo, assim como não há pela invasão e ocupação americana do Iraque; e o fato de um país soberano estar negociando a normalização de suas relações com os EUA exigindo reparações, contribuirá para aumentar a consciência da dívida de longa data que Washington tem com o país./ TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA *É codiretor do Center for Economic and Policy Research, grupo de especialistas que promove o debate sobre questões econômicas e políticas

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