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Extremistas islâmicos voltam a agir no Paquistão

Por Agencia Estado
Atualização:

O inferno afegão foi consideravelmente ampliado pelos aviões americanos depois dos atentados de 11 de setembro. Guerra-relâmpago, ofuscante e impiedosa, suas brasas ardem sem cessar por debaixo das cinzas. Basta um sopro de vento para que o fogo ganhe vida outra vez. O atentado em Islamabad, no Paquistão, é prova disso. No coração do bairro mais seguro e mais protegido da capital, em uma igreja protestante freqüentada sobretudo por ocidentais, um terrorista abre fogo e mata cinco pessoas. Como teria conseguido entrar no bairro? É claro que o assassino contou com a ajuda de cúmplices para forçar as barreiras desse enclave tão bem guardado quanto o Pentágono. Alguns acreditam que tenha sido um atentado dirigido contra os Estados Unidos. Sem dúvida. Contudo, mais do que um atentado contra os americanos, foi principalmente um atentado contra um alvo de grande envergadura. Refiro-me ao presidente do Paquistão general Musharraf, um homem que, após os atentados a Nova York, passou a apoiar audaciosamente os americanos, transformando seu país na espinha dorsal e motora da coalizão contra o Taleban e a Al-Qaeda articulada por Bush. Musharraf tem consciência da importância do jogo que decidiu jogar. Afrontou seu próprio país, o Paquistão, infestado por um vasto contingente de islâmicos, e cujo exército, principalmente os serviços secretos (ISI), apóiam fervorosamente o Taleban e a Al-Qaeda. Em outras palavras, se Musharraf não tivesse se aliado a Washington, a coalizão que derrotou o Taleban seria praticamente inviável, e é pouco provável que, se formada, chegasse a funcionar. Na época, ninguém imaginava que Musharraf tivesse algum futuro. O fato é que ele conseguiu duplicar o tamanho das forças armadas do Paquistão, e também o temível ISI. A população o apóia. Até mesmo as facções islâmicas mais venenosas adotaram um comportamento discreto. Com o tempo, porém, a pregação integrista foi recuperando novamente o fôlego. Os terroristas islâmicos promoveram então atentados de vastas proporções: em outubro, atingiram uma igreja cristã em Bahawalpur, provocando um verdadeiro massacre. Recentemente, assassinaram de forma cruel um jornalista americano. Está claro que o Paquistão, passados alguns meses depois do "súbito golpe" que foi a guerra americana, reativou suas redes de extremistas. E, apesar da minuciosa investigação a que Musharraf submeteu as forças armadas e o ISI, e apesar também de ter posto fora da lei os grupos islâmicos, o integrismo continua perigoso como sempre. Musharraf colocou na ilegalidade diversos grupos islâmicos. Dentre eles, os três mais perigosos (Lashkar-e-Taiba, Jaish Mohammed e Sipah-e-Sahaba), diretamente subvencionados por Bin Laden. Todavia, esse grupos se recompõem com uma facilidade muito grande, uma vez que no noroeste do Paquistão existe uma área tribal "Waziristan" totalmente fora do controle da autoridade central, ou de qualquer outra. Essa zona tribal serve de refúgio a todos os talebans e guerrilheiros da Al-Qaeda que escaparam dos bombardeios e das forças armadas americanas. Os antigos chefes do ISI (serviço de informações pró-islâmico) são quase todos oriundos dessa região. Encontra-se também no Waziristan o antigo ministro taleban das fronteiras, ou ainda o mulá Kébir, um outro chefe taleban ,e muitos outros egípcios pertencentes a Al-Qaeda. Nessa imensa zona sem controle vivem hoje inúmeros talebans e membros da Al-Qaeda, bem como paquistaneses que não aceitam a aliança do general Musharraf com os países ocidentais, com os cristãos e os americanos. É provável que o quadro seja mais tenebroso ainda do que parece. Acredita-se que mesmo nos serviços oficiais de Islamabad haja um grande número de funcionários obrigados a apoiar os integristas, inclusive gente do Taleban e da Al-Qaeda. (Não nos esqueçamos de que os grupos talebans não foram "montados" e treinados unicamente pela CIA, mas também pelo ISI paquistanês). O cenário é sombrio. Alguns analistas crêem que o islamismo mudará completamente em todos os países, e que a vida de Musharraf não estaria de forma alguma ameaçada. Sua morte será a de um homem corajoso e lúcido. Será também o prenúncio de uma nova tragédia para o Paquistão, para seu vizinho debilitado, o Afeganistão, e talvez para o próprio Ocidente. Tudo isso, porém não passa de conjectura, e bem frágil por sinal. Que Deus nos ouça.

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