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Facebook é estopim da violência em países onde instituições são frágeis

Discursos de ódio e falsos rumores na rede social têm desencadeado revoltas e massacres

Por Amanda Taub e Max Fisher
Atualização:

No fim de uma estrada de montanha esburacada, chegamos a uma casa onde não havia água corrente, mas estava repleta de smartphones, com os 13 membros de uma grande família colados no Facebook. E estavam furiosos.

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Casa incendiada deAbdul Basith, um muçulmano que foi morto por uma multidão de budistas em razão de um boato noSri Lanka Foto: Adam Dean/The New York Times

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Um mês antes, um membro da família, um caminhoneiro, morreu espancado. Fora uma briga de trânsito, segundo a polícia. Mas no Facebook correram rumores de que os atacantes participavam de complô muçulmano para eliminar a maioria budista do Sri Lanka.

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A família achava que os rumores eram verdadeiros. Apesar de ser budista, ela não aderiu quando grupos de língua cingalesa no Facebook, provocados por extremistas, convocaram ataques contra muçulmanos, tendo queimado um homem até a morte.

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Fomos até esta casa para tentar entender a força dos distúrbios sociais que se seguiram à rápida expansão do Facebook no mundo em desenvolvimento, cujos mercados representam o futuro financeiro da companhia. Durante meses têm se verificado revoltas e linchamentos em todo o mundo ligados à desinformação e aos discursos de ódio no Facebook, que abre o caminho para qualquer tipo de comentário que mantém os usuários ligados no site mais tempo – uma prática potencialmente prejudicial em países onde as instituições são frágeis.

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Constantemente, ódios entre comunidades extrapolam o feed de notícias – principal portal de informações para muitos usuários, muitas vezes não averiguadas, uma vez que a mídia local é substituída pelo Facebook e os governos não têm poder de influir sobre a companhia. Alguns usuários, impelidos por discursos de ódio e pela desinformação, tramam ataques reais.

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Uma reconstrução do descambar do Sri Lanka para a violência, com base em entrevistas com autoridades, vítimas e usuários da rede social, concluiu que o feed de notícias do Facebook tem um papel crucial em cada etapa do rumor ao assassinato. Mas eles dizem que os dirigentes do Facebook ignoraram os alertas repetidos do potencial da rede social para a violência, resistindo à pressão para contratar mediadores ou estabelecer pontos de contato de emergência.

Uma porta-voz do Facebook disse em um e-mail que “removemos esse tipo de conteúdo tão logo temos conhecimento dele. E a companhia está criando equipes que analisam o conteúdo informado e está investindo em tecnologia e conhecimento da língua local para nos ajudar a eliminar rapidamente todo conteúdo que incita o ódio”.

Os habitantes de Sri Lanka afirmam não ter visto muita mudança. E em outros países, à medida que o Facebook se expande, analistas e ativistas temem ver um aumento da violência.

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Nos países ocidentais, para os quais o Facebook foi projetado, ele incita discussões online, políticas de identidade enfurecidas e muita polarização. Mas nos países em desenvolvimento, a rede social é, com frequência, sinônimo de internet e fontes reputadas são escassas, e isto permite que rumores com forte carga emocional sejam compartilhados sem controle. E quando as pessoas acham que não podem confiar na polícia ou nos tribunais para se sentirem protegidas, o pânico criado por uma ameaça pode levar alguns a resolver o caso com as próprias mãos – o linchamento.

No ano passado, numa zona rural da Indonésia, surgiram rumores no Facebook e no WhatsApp de que gangues estavam sequestrando crianças da localidade e vendendo seus órgãos. Algumas mensagens incluíam fotos de corpos desmembrados ou panfletos falsos da polícia. Quase que imediatamente, os moradores de nove vilarejos decidiram linchar pessoas de fora que suspeitavam que ali estavam para roubar suas crianças. Rumores quase idênticos na mídia social também provocaram ataques na Índia e no México. Os linchamentos são filmados e postados no Facebook, onde viralizam.

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O impacto mais significativo do Facebook é sobre a tendência universal ao tribalismo. Postagens dividindo o mundo em “nós” e “eles” aumentam naturalmente, já que atingem diretamente o desejo de usuários de pertencer a um grupo. Sua interface, similar à de um jogo, recompensa o envolvimento, libera um aumento de dopamina quando os usuários acumulam as “curtidas” e respostas.

E como seu algoritmo involuntariamente privilegia a negatividade, o maior impulso é de atacar os de fora: a outra equipe esportiva, o outro partido político, a minoria étnica.

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Ataques atrozes de bandos online serão familiares para qualquer usuário de mídia social. Mas em lugares onde historicamente as pessoas costumam fazer justiça com as próprias mãos, esses ataques virtuais se tornam reais.

No ano passado em Cancún, no México, por exemplo, discussões no Facebook sobre vídeos racistas se transformaram em um ato de violência praticado por uma grande grupo de pessoas que foi fatal.

O Facebook não foi somente o gerador da história de desconfiança étnica no Sri Lanka, mais também propagou o sentimento contra os rohingyas em Mianmar.

Mas a plataforma pode afetar equilíbrios comunitários frágeis. Na Índia, a desinformação está ligada repetidamente à violência religiosa, incluindo os distúrbios ocorridos em 2012 que deixaram vários mortos, pressagiando uma tendência que se ampliou.

Quando o Facebook entrou em Mianmar em 2014, extremistas budistas se apossaram da plataforma, espalhando informações falsas que desencadearam uma revolta letal naquele ano. Em 2017, o discurso de ódio no Facebook contribuiu para a limpeza étnica contra a minoria Rohingya no país.

Adam Mosseri, chefe do feed de notícias do Facebook, disse no podcast Slate que ele e sua equipe estavam “perdendo o sono” por causa do papel da plataforma em Mianmar. Mudanças no algoritmo, disse ele, privilegiarão os interesses de longo prazo das pessoas em relação às preferências de curto prazo, num esforço para resolver o problema.

As mudanças implicam riscos para a companhia. Em janeiro, quando Mark Zuckerberg anunciou mudanças no feed de notícias, as ações da empresa perderam 4,5% nas bolsas em poucas horas.

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E há riscos para os usuários também. De outubro até março, o Facebook apresentou para os usuários em seis países, incluindo o Sri Lanka, um feed de notícias separado que dá prioridade a conteúdos de amigos e parentes. Postagens da mídia profissional ficam ocultas em outra aba. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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