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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Falta de paciência

Eleitor volta a apoiar Cristina, responsável pela crise econômica que Macri não pôde reverter

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Atualização:

A semana foi reveladora dos impasses vividos na América do Sul. Venezuela e Argentina, cada uma ao seu modo, aprofundaram suas agonias. Juan Guaidó, presidente interino proclamado pela Assembleia Nacional, perdeu uma queda de braço pelo apoio dos militares com o homem forte venezuelano, Nicolás Maduro.

Mauricio Macri, presidente da Argentina Foto: Agustin Marcarian / Reuters

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No mesmo dia 30, o presidente Mauricio Macri venceu o duelo com os sindicatos alinhados com a principal líder da esquerda, Cristina Kirchner. A Frente Sindical, a CUT argentina, convocou para a véspera do Dia do Trabalho greve geral, cuja adesão foi pequena.

Como costuma acontecer também em outros países, os trabalhadores do metrô de Buenos Aires e das companhias aéreas aproveitaram a facilidade e a impunidade com que emparedam a população e pararam. Mas a maior parte das linhas de ônibus, trens e táxis da capital funcionou.

Macri venceu uma batalha, mas a vitória na guerra está distante. Duas sondagens divulgadas na quarta-feira indicam que o presidente está perdendo terreno na corrida para as eleições de outubro e novembro.

De acordo com a pesquisa Query Argentina, a imagem negativa de Macri soma 61% e a positiva, 30%. Dos entrevistados, 70% dizem que sua situação econômica piorou e 60% acham que continuará piorando. Se as eleições fossem agora, Cristina sairia na frente no primeiro turno com 32% dos votos, e Macri teria 25%. No segundo turno, Cristina ficaria com 38% e Macri com 30%. Ainda há 30% de indecisos.

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A consultoria Real Time vê apenas 38% de chance de Macri se reeleger. Kirchner conta com 45%. Os motivos apontados pelos entrevistados estão interligados: inflação persistente e instabilidade cambial. Cristina está estável nessa pesquisa desde o mês passado, enquanto Macri caiu 4 pontos.

O presidente tenta escapar do abismo – que não é só o seu, mas o da Argentina, considerando a capacidade já provada de Cristina de destruir a economia e instituições do país – com um “Diálogo de Dez Pontos” com os governadores peronistas “no-K”, ou seja, que têm as mesmas origens, mas romperam com ela.

Desde o início do governo, Macri tem negociado com esses governadores, cujas bancadas no Congresso fizeram acordos pontuais com a Casa Rosada com base em interesses mútuos. 

A tática levou à aprovação de uma minirreforma da Previdência, cujos benefícios fiscais foram repartidos com as províncias, que afinal também sofrem com as aposentadorias sem lastro em contribuições.

Os dez pontos lembram a sepultada “Ponte para o Futuro” do MDB quando a inconsistência da política econômica de Dilma Rousseff mergulhava o Brasil no caos: equilíbrio fiscal, independência do Banco Central, abertura comercial, segurança jurídica, reforma trabalhista, redução da carga tributária, reforma previdenciária, garantias orçamentárias para as províncias, estatísticas transparentes e cumprimento das obrigações com os credores. 

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O objetivo do diálogo, do qual participam três pré-candidatos a presidente, é garantir a governabilidade das administrações atual e futura. É uma saída ao estilo Macri: com base na conciliação e na racionalidade.

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Eu cobri as eleições parlamentares de meio de mandato de outubro de 2017. Naquele momento, embora as metas de inflação e crescimento não tivessem sido atingidas, os argentinos ainda depositavam suas esperanças no governo, que venceu, embora sem maioria absoluta.

Hoje, a paciência dos argentinos se esgotou a tal ponto de eles flertarem com o desastre representado por Cristina, responsável pela herança econômica que Macri não está conseguindo reverter. E cujos pressupostos fizeram da Venezuela o que ela é hoje.

Escrevo da Etiópia, e aqui o primeiro-ministro Abiy Ahmed prepara um ambicioso programa de privatizações. Parece que aqui as coisas estão mais claras do que na nossa vizinhança.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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