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Família de dissidente chinês foge para os EUA

Mulher e filhos de advogado preso deixam país com ajuda de quadrilha

Por Cláudia Trevisan
Atualização:

Numa história que parece saída do auge da Guerra Fria, a mulher e os dois filhos de um dos principais dissidentes políticos da China saíram clandestinamente do país e fugiram para os EUA, onde chegaram na quinta-feira na condição de refugiados. Cotado para o Prêmio Nobel da Paz de 2008, o advogado de direitos humanos Gao Zhisheng foi tirado de sua casa por agentes de segurança em 4 de fevereiro e, desde então, sua família não obteve nenhuma informação sobre sua localização. Depois do desaparecimento, sua mulher, Geng He, decidiu acelerar os planos de fugir da China com a filha de 16 anos, Geng Ge, e o filho de 5, Gao Tianyu. Eles contaram com a ajuda da organização cristã com sede nos EUA China Aid, que se dedica à defesa da liberdade religiosa. Nenhum dos três tinha passaporte - negado pelas autoridades chinesas - e estavam sob constante vigilância da polícia. Em entrevista por telefone ao Estado, Bob Fu, presidente da China Aid, disse que a operação começou a ser planejada com um mês de antecedência e contou com a ajuda de adeptos da Falun Gong e cristãos que professam a fé clandestinamente. Segundo Fu, os três deixaram sua cidade na Província de Shaanxi em 9 de fevereiro e foram para o sul do país. Percorrendo trechos montanhosos a pé e de motocicleta, eles demoraram oito dias para conseguir cruzar a fronteira. Geng He disse à agência Associated Press que pagou 40 mil yuans (US$ 5,85 mil) para uma quadrilha especializada em emigração ilegal ajudá-los a sair do país. Houve um momento em que ela teve de se separar do filho, para facilitar a fuga. "Durante todo o caminho, eu não sabia onde estávamos nem quanto tempo mais teríamos que viajar. Estávamos muito assustados", disse Geng He. O destino final foi a Tailândia, onde a família esperou quase um mês até que o processo de obtenção da condição de refugiados fosse concluído. A fuga para os EUA ameaça azedar a relação entre a administração de Barack Obama e as autoridades de Pequim, que respiraram aliviadas depois que a questão dos direitos humanos não esteve na agenda pública da visita que a secretária de Estado Hillary Clinton fez ao país em fevereiro. O presidente da China Aid afirmou que a os três decidiram fugir em razão da estrita vigilância a que estavam submetidos. "Eles não podiam ter uma vida normal", observou. Gao Zhisheng ficou célebre ao defender integrantes da seita Falun Gong, banida pelas autoridades de Pequim em 1999, e cristãos ligados a igrejas não reconhecidas pelo governo chinês. Em dezembro de 2006, o advogado foi condenado a 3 anos de prisão sob a acusação de incitar a subversão, depois de ter escrito três cartas abertas ao presidente Hu Jintao e ao primeiro-ministro Wen Jiabao, nas quais criticava a supressão da Falun Gong. Na época, Gao foi beneficiado pela suspensão condicional da pena. No ano seguinte, ele foi detido por 50 dias, durante os quais afirma ter sido torturado de maneira recorrente. O relato dos maus-tratos está numa carta de sete páginas que Gao escreveu em 28 de novembro de 2007, mas que só foi divulgada para a comunidade internacional no dia 9 de fevereiro, depois de seu desaparecimento. "Todas as vezes que eu era torturado, eu escutava a ameaça de que se eu dissesse depois o que havia ocorrido comigo, eu seria torturado de novo, mas me diziam ?dessa vez vai ser na frente de sua mulher e seus filhos?", escreveu o advogado.

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