Familia poderá arcar com herança jurídica de Pinochet

Morte frustra opositores, que clamavam por ver o ex-ditador condenado

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Por Agencia Estado
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Com a morte do principal acusado pelos crimes cometidos durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), a Justiça chilena enfrenta agora um dilema que possivelmente não será solucionado em acordo com o que esperavam os opositores do regime e juízes responsáveis pelos processos. Segundo as leis chilenas, o falecimento do general impede que ele seja responsabilizado pelas mortes e acusações de enriquecimento ilícito às quais vinha sendo julgado. Isso, no entanto, não impedirá que os outros réus nos processos continuem sendo julgados, e que, eventualmente, venham a ser condenados. Além dos militares envolvidos nos diversos casos de violação de direitos humanos ocorridos durante o regime de exceção, familiares do general - mais precisamente sua esposa, Hiriart, e três seus cinco filhos - estão entre os acusados. Os quatro parentes de Pinochet, além de duas de suas ex-funcionárias pessoais, estão envolvidos no chamado caso "Riggs" - referência ao norte-americano Riggs Bank. Decorrente de uma investigação realizada pelo Senado americano, o caso revelou a existência de mais de uma centena de contas relacionadas a essas pessoas com com depósitos que somam mais de US$ 20 milhões. Ainda assim, juízes que cuidavam dos casos lamentaram a impossibilidade de condenação contra Pinochet. "É uma pena, porque o Estado chileno foi incapaz de oferecer à pátria a verdade histórica a respeito das acusações de violações aos direitos humanos atribuídos a Pinochet", disse Carlos Cerda, juiz responsável pelo caso Riggs. Nesta segunda-feira, o presidente interino da Corte Suprema, Marcos Libedinsky, rejeitou as críticas feitas aos tribunais por não terem condenado Pinochet em nenhum dos numerosos casos que envolvem o ex-ditador. "Os tribunais não estão em dívida. Fizeram tudo o que puderam", manifestou Libedinsky, ressaltando que os juízes encarregados das investigações do ex-militar avançaram bastante e foram eficientes dentro de suas possibilidades. "Foi feito o que se podia fazer, no momento em que foi possível." A prisão A partir de 1998 o juiz espanhol Baltasar Garzón conseguiu prisão de Pinochet em Londres, acusando o ex-ditador por genocídio, terrorismo e tortura. Mais de 300 apelações foram feitas contra Pinochet no Chile e mais de 14 vezes ele foi acusado por violação dos direitos humanos e evasão fiscal. Pinochet não chegou a ser julgado por nenhum dos crimes de que é acusado, apesar dos numerosos processos. O primeiro processo por genocídio, seqüestro, formação de quadrilha e sepultamento ilegal foi apresentado em 20 de janeiro de 1998 pela dirigente comunista Gladys Marín no caso Calle Conferencia assumido pelo juiz Juan Guzmán. No mesmo ano, em março de 1998, Pinochet saiu do comando do exército após quase 65 anos. No lugar, assumiu Ricardo Izurieta. Em um discurso emocionado, Pinochet destacou a modernização da instituição e agradeceu à sua família e aos colegas do Exército. No dia seguinte, o Congresso chileno o recebeu como o primeiro senador vitalício da história do país. Mas, sua primeira prisão só ocorreu em 16 de outubro de 1998 quando quinze policiais da Scotland Yard, a polícia britânica, prenderam Pinochet em uma clínica de Londres, por ordem do juiz espanhol Baltasar Garzón, que o investigava por violação dos direitos humanos. Em 3 de março de 2000, 503 dias depois de ser preso em Londres, autoridades britânicas liberaram Pinochet da prisão domiciliar após um exame médico indicar que ele não teria condições de ser julgado. O general chegou então ao Chile onde foi recebido por amigos e uma delegação militar. Em 1º de dezembro de 2000, o juiz chileno Juan Guzmán foi o primeiro a processar Pinochet. Desse ano em diante, o general enfrentou dezenas de acusações por violação dos direitos humanos e enriquecimento ilícito nos processos detalhados a seguir. Caravana da Morte O grupo paramilitar de extrema direita percorreu o norte do Chile em outubro de 1973, um mês após o golpe de Pinochet contra Salvador Allende, matando 75 esquerdistas. Pinochet foi acusado por Guzmán em janeiro de 2001 como autor de 57 homicídios e 18 seqüestros na operação criada para eliminar adversários do regime militar chileno. O caso foi arquivado em julho de 2001 após exames médicos indicarem que Pinochet sofria de demência moderada e não tinha condições de ser julgado. Em novembro de 2006, o caso foi reaberto por sua participação no seqüestro e morte de dois guarda-costas do presidente Salvador Allende, derrubado pelo golpe militar liderado pelo general em 1973. O general ficou preso até 4 de dezembro quando a prisão foi suspensa após sua internação. Operação Condor Em 13 de dezembro de 2004, Guzmán indicia Pinochet por nove seqüestros e um homicídio no plano aplicado nos anos 70 e 80 pelas ditaduras sul-americanas para perseguir os opositores. Ele chegou a ir para a prisão domiciliar mais uma vez, mas algumas semanas depois conseguiu a liberdade provisória após pagar uma fiança de 2 milhões de pesos. Caso Prats O homicídio do general Carlos Prats, chefe do Exército do governo Allende, e sua mulher, ocorrido em Buenos Aires na explosão de uma bomba que foi colocada em seu automóvel pela polícia secreta da ditadura Pinochet em 1974. Em 24 de março de 2005, a Suprema Corte do Chile rejeitou um pedido de levantamento de imunidade de Pinochet, feito por um juiz que tentava investigá-lo pelo assassinato de Prats. O militar foi morto com sua mulher em setembro de 1974 em Buenos Aires , segundo o autor do crime, Michael Townley. Operação Colombo Em 24 de novembro de 2005 o ministro Victor Montiglio processou e ordenou a prisão de Pinochet acusado de co-autoria no seqüestro de seis dos 119 dissidentes desaparecidos nas mãos da Dina entre maio de 1974 e fevereiro de 1975. Pinochet conseguiu a liberdade após pagar fianças de 10 milhões de pesos. Vila Grimaldi Após ser submetido a um interrogatório e alegar inocência, Pinochet é acusado pelo juiz Alejandro Solís por participação em 36 seqüestros e tortura de 23 presos políticos em um centro de detenção secreto em Villa Grimaldi. Pelas acusações, Pinochet também foi submetido à prisão domiciliar no final de outubro. Em 8 de novembro o general consegue a liberdade provisória após pagamento de fiança. Caso Carmelo Soria Em 3 de junho de 2004 a família do diplomata espanhol Carmelo Soria, assassinado pela Dina, a polícia secreta de Pinochet, em 14 de julho de 1976, apresentou uma denúncia contra o general por sua possível responsabilidade no caso. Um mês depois o juiz José Benquis decidiu arquivar o caso por considerar "coisa julgada". A família do diplomata foi indenizada em 1,5 milhão de dólares. Caso Calle Conferencia Pelo caso referente ao seqüestro e desaparecimento da cúpula do Partido Comunista em maio de 1976 foi o primeiro que rendeu uma acusação contra Pinochet no Chile. Em janeiro de 1998, a secretária geral do Partido Comunista, Gladys Marín abriu um processo pelo desaparecimento de oito dirigentes, entre os quais se encontrava seu marido, Jorge Muñoz. Contudo o general foi inocentado em dezembro de 2003. Evasão Fiscal Em julho de 2004, foram descobertas contas milionárias do general no banco americano Riggs. Pinochet foi acusado de evasão fiscal e falsificação de passaportes, embora as duas acusações relacionadas a contas secretas no exterior tenham sido retiradas em abril deste ano. As acusações surgiram em 2004, após a descoberta, durante uma investigação do Senado americano, de contas bancárias com cerca de US$ 27 milhões. Os advogados de Pinochet afirmam que o dinheiro era o resultado de doações, economias e juros de investimentos.

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