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Farc no palanque

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Por Mac Margolis
Atualização:

Após meses de palavras ao vento e diplomacia de trincheira, o governo da Colômbia anunciou, na semana passada, um acordo com tintas históricas. O pacto selou os termos da participação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) na política nacional. Poucas semanas antes, o esforço de paz entre o governo nacional e os rebeldes rumava para o fracasso. A guerrilha guerrilhava. O governo insistia e nada saia da mesa de negociações em Havana. O conflito que matou 200 mil nos últimos 50 anos continuava sem trégua. Os comentaristas não pestanejaram em sentenciar a morte certa de mais um esforço de paz. O epitáfio da era Juan Manuel Santos já estava na lápide. De repente, tudo clareou. Quem afirmou não foi nenhum marqueteiro político nem comissário de camuflagem, mas um discretíssimo militar. Indagado se as Forças Armadas garantiriam a segurança dos candidatos das Farc, caso os rebeldes entregassem as armas e ingressassem no jogo político eleitoral, o recém-empossado comandante do Exército, general Juan Pablo Rodríguez, não titubeou. "Se as Farc trabalharem na sociedade civil, dentro do marco legal, temos de garantir seus direitos e liberdades", afirmou Rodríguez. Raramente tão poucas palavras causaram tamanho estrondo. Em quase 12 meses de conversa espinhosa, os dois lados pouco fizeram. Tinham alcançado acordo sobre apenas um ponto de um plano de seis: a redistribuição das terras em zonas de conflito. Realmente, não era pouca coisa. Mais de 3,6 milhões de colombianos foram expulsos das suas terras em meio século de guerra. Acontece que foi a parte mais fácil de resolver.Durante meses, a pedra no sapato da paz colombiana foi o tema da participação política dos ex-combatentes. A mera ideia de uma guerrilha bandida de repente encostar o fuzil e subir ao palanque embrulhava o estômago coletivo. Cerca de 70% dos colombianos se disseram contrários à proposta, liderados pelo ex-presidente e outrora mentor de Santos, Álvaro Uribe. Entretanto, a fresta de luz após meio século de matança provocou um suspiro nacional. "Pela primeira vez, em várias gerações, a possibilidade de que a Colômbia viva em paz é um fato cada vez mais tangível", clamou a revista Semana. Ainda é cedo para pôr o champanhe para gelar. Há mais quatro pontos a serem amarrados no acordo. A julgar pela pedreira que foi a negociação política, o caminho será duro.Com números minguantes, empurrada mata adentro, a guerrilha está cansada. No entanto, aprendeu a jogar com a ansiedade de Bogotá. Os rebeldes sabem que Santos hipotecara sua presidência ao sucesso das negociações. Com isso, as Farc endureceram as negociações em Havana e exigiram um passe livre, das armas para as urnas. A "normalização" da guerrilha mais infame do continente virou kryptonita para o presidente colombiano. Quanto mais ele mexia com o tema, mas debilitado ele ficava. Para quebrar o impasse, Santos arriscou. Optou por criar zonas eleitorais especiais nas áreas mais violentas - justamente onde as Farc têm mais força. Para a oposição, soou a ultraje - uma reserva de mercado para a bandidagem, berraram os uribistas. "As Farc não entregaram as armas. Teremos um partido político com terroristas armados. Somos contra", postou o ex-presidente na sua conta no Twitter, com 2 milhões de seguidores. No entanto, foi essa a chave do desempate. Embora o ceticismo permaneça, a possibilidade de uma trégua provocou alívio no país. A começar pela Casa de Nariño, onde o presidente amarga os piores índices de seu mandato.Dois terços do país desaprovam seu governo. Com prazo até 25 de novembro para se declarar candidato à reeleição, Santos sabe que seu futuro político depende desse acordo fugaz. Se sair do papel, o pacto pode lhe render não apenas o segundo mandato, mas também o Prêmio Nobel da Paz. Se fracassar, como fracassaram todas as outras tentativas de acordo de paz na Colômbia, ele pode se candidatar ao anonimato.*É colunista do 'Estado', correspondente do site The Daily Beast e edita o site www.brazilinfocus.com

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