Fareed Zakaria: Os republicanos estão prontos para abraçar Putin

A genialidade de Trump está em reconhecer que a base do Partido Republicano está madura para uma revolução ideológica

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Por FAREED ZAKARIA
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A viagem do presidente Donald Trump à Europa vem sendo vista como revolucionária tanto por ele como por seus críticos. Trump garante que, sozinho e miraculosamente, conseguiu que os membros da Otan aumentassem seus gastos com Defesa. Já os críticos afirmam que o que ele conseguiu foi destruir sozinho a aliança ao semear dúvidas e discórdia entre os maiores aliados dos EUA. 

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Trump e May concederam coletiva conjunta a repórteres internacionais na casa de campo da primeira-ministra britânica. Foto: REUTERS/Hannah McKay

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Nenhuma das duas coisas é totalmente verdadeira. As exigências de Trump são, de fato, antigas exigências americanas. Barack Obama cobrava dos aliados um aumento de gastos. Seu primeiro secretário de Defesa, Robert Gates, fez seu discurso de despedida da Europa – semanas antes de deixar o cargo – exatamente sobre esse tema. Ele previu um apetite cada vez menor do corpo político dos EUA para gastar fundos preciosos em benefício de países não empenhados em parcerias sérias.

E advertiu que “futuros líderes americanos, que não vivenciaram a Guerra Fria, podem achar que o retorno dos investimentos na Otan não compensa os custos. O sonora investida de Trump contra a Alemanha – ele disse que o país se tornou dependente do gás natural da Rússia – pode ter um mérito considerável. Os alemães, de fato, assinaram com a Rússia, afoitamente, um acordo energético estrategicamente perigoso. Trump errou, porém, sobre a dinâmica da negociação. 

Não é tanto por importar grandes quantidades de gás da Rússia que os alemães podem ser chantageados – os russos dependem igualmente do dinheiro alemão. O perigo é que os novos gasodutos a serem construídos permitam à Rússia ameaçar a Europa Oriental com retenção de energia ou com alta abusiva de preços – cartadas das quais Moscou fez uso no passado. 

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De qualquer modo, as mesmas queixas de Trump foram com frequência manifestadas antes. E, como no tempo de Obama, não há indicações de que a abordagem agressiva de Trump vá produzir resultados. Se houver alguma consequência será a de fazer com que alguns europeus se sintam na obrigação de contra-atacar. Aliás, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, lembrou a Trump que o país não é vassalo nem da Rússia nem dos EUA. 

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Com sua política externa, porém, Trump está fazendo uma verdadeira revolução em casa. Ele continua empenhado em seu projeto, intencionalmente ou por instinto, de reconstruir o Partido Republicano. Sua política parece desenhada para criar uma nova política externa republicana, muito mais próxima das raízes históricas do partido – desconfiança de estrangeiros, de alianças e de tratados – e, em muitos sentidos, claramente isolacionista. 

Em seus comícios, Trump descreve os aliados mais próximos como “os piores inimigos” dos EUA e adverte que “eles vão nos matar”, tanto no comércio como em termos de segurança. “Nós somos os trouxas”, reclama ele ao falar do relacionamento dos EUA com a Otan e com a União Europeia.

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Jonathan Chait escreveu na New York Magazine que “Trump está treinando sua base para odiar a Otan e gostar de Putin”. E vem sendo bem-sucedido: 51% dos republicanos agora acreditam que os EUA não devem defender os aliados da Otan se eles não aumentarem seus gastos com Defesa. 

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E, ainda mais espantoso, Trump parece ter revertido as opiniões republicanas sobre a Rússia e seu ditador, Vladimir Putin. Num comício recente, Trump afirmou: “Querem saber? Putin é ótimo.” Os republicanos são hoje duas vezes mais propensos do que os democratas a manifestar opiniões favoráveis sobre Putin – e 56% deles querem cooperar com a Rússia.

O Partido Republicano já mostrou que é maleável ideologicamente. Hoje, o partido da lei e da ordem desconfia profundamente do FBI. O partido do livre-comércio agora é mais protecionista que o Partido Democrata. O partido que aplaudia o otimismo de Ronald Reagan sobre imigrantes agora tem uma maioria que apoia a separação de famílias na fronteira e a criminalização de imigrantes ilegais.

A genialidade de Trump está em reconhecer que a base de seu partido está madura para essa revolução ideológica e, embora as antigas fórmulas políticas de Reagan ainda possam ser apoiadas pela elite republicana, não sensibilizam mais sua base. 

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Cinco anos atrás, um republicano do establishment escreveu que “o fantasma do isolacionismo persegue o partido e é dolorosamente certo que esse sentimento isolacionista prevalecerá . Mas é fundamental que os republicanos ligados à segurança nacional respondam às dúvidas que vêm sendo levantadas, restaurem uma plataforma partidária coerente e frustrem o novo isolacionismo”. 

Essas palavras são de John Bolton, hoje assessor de Segurança Nacional do presidente. Ao que parece, mesmo os mais intrépidos republicanos ligados à segurança nacional acomodaram-se à revolução de Trump. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ