Filhos de pais contrários à vacina da covid se imunizam às escondidas nos EUA

A maioria das leis médicas exige consentimento dos pais para que menores sejam vacinados. Agora, alguns Estados estão aliviando restrições em relação às vacinas contra a covid-19, enquanto outros propõem novas regras

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Por Jan Hoffman
Atualização:

Adolescentes escondem várias coisas dos pais. Bebedeiras. Sexo. Notas baixas. Mas o segredo que Elizabeth - uma nova-iorquina de 17 anos que se encaminha para o último ano do ensino médio - esconde dos pais é novidade no cardápio de transgressões adolescentes. Ela não quer que os pais saibam que ela foi vacinada contra a covid-19.

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Divorciados, os pais dela têm direitos iguais a respeito dos cuidados com sua saúde. Apesar da mãe ser fortemente favorável à vacinação, o pai se opõe furiosamente - e ameaçou processar a mãe se Elizabeth for vacinada. Elizabeth não esconde o segredo somente do pai, esconde também da mãe, para que ela possa contar com negação plausível (Elizabeth pediu para ser identificada somente pelo segundo nome).

A vacinação de crianças é crucial para que a sociedade atinja uma imunidade abrangente contra o coronavírus e isso possibilite o retorno a rotinas normais de escola e trabalho. Mas apesar de vacinas contra covid estarem autorizadas para adolescentes a partir de 12 anos, muitos pais, preocupados com efeitos colaterais e assustados com o desenvolvimento recente das vacinas, resolveram não permitir que seus filhos as tomem.

Adolescente na Flórida tem sido excluída dos círculos sociais porque sua mãe não permite que ela recebaa vacina contra a covid-19 Foto: Maria Alejandra Cardona/The New York Times

Uma pesquisa recente da Kaiser Family Foundation descobriu que somente 3 em cada 10 pais de adolescentes com idades entre 12 e 17 anos pretendem permitir que eles sejam imunizados imediatamente. Muitos dizem que aguardarão dados de segurança a longo prazo ou que autoridades de educação obriguem a vacinação de alunos. Mas com muitos adolescentes ávidos pelas vacinas, que eles consideram uma maneira de reconquistar liberdades que lhes foram retiradas durante a pandemia, tensões explodem em lares em que os pais insistem em dizer não.

Quarenta Estados exigem autorização dos pais para vacinar menores de 18 anos, em Nebraska, a autorização é necessária até os 19 anos (alguns Estados isentam adolescentes sem teto ou emancipados.) Agora, por causa da crise da covid, alguns Estados e cidades estão buscando relaxar essas regras de consentimento, elaborando estatutos similares aos que permitem a menores se vacinar contra HPV, o que previne certos cânceres causados por um vírus transmissível sexualmente.

Na primavera recente no hemisfério norte, o Distrito de Colúmbia votou para permitir que crianças a partir de 11 anos possam tomar vacinas recomendadas sem precisar de consentimento dos pais. As câmaras legislativas estaduais de New Jersey e Nova York têm projetos de lei tramitando que pretendem permitir que adolescentes a partir de 14 anos se vacinem sem necessitar de autorização dos pais; Minnesota tem um projeto que permitiria a adolescentes a partir de 12 anos se vacinar contra covid sem permissão.

Outros Estados, porém, caminham na direção oposta. Apesar de adolescentes da Carolina do Sul serem considerados responsáveis legais pela decisão a partir dos 16 anos, e os médicos do Estado poderem realizar procedimentos médicos que considerarem necessários sem permissão dos pais até em crianças pequenas, um projeto que tramita no Legislativo estadual impediria explicitamente profissionais de saúde de administrar vacinas de covid em menores sem autorização dos pais.

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No Oregon, onde adolescentes a partir de 15 anos são considerados responsáveis pela própria saúde, o Condado de Linn ordenou que uma clínica sob sua administração exija autorização dos pais de qualquer menor de 18 anos para vaciná-lo contra covid. De acordo com a Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais, que tem acompanhado projetos de lei relacionados à covid, alguns Estados, incluindo Tennessee e Alabama, estão trabalhando em legislações destinadas a evitar que escolas públicas exijam vacinas.

A discussão a respeito de quem tem poder de autorizar vacinações contra covid está renovando antigas questões legais, éticas e médicas. Quando os pais discordam entre si, quem arbitra? A partir de que idade crianças são capazes de fazer suas próprias escolhas em relação à sua saúde e como isso deve ser determinado?

“A Isabella quer se vacinar porque os amigos estão se vacinando, e ela não quer usar máscara”, afirmou Charisse, mãe de uma adolescente de 17 anos de Delray Beach, Flórida, que pediu para ter o sobrenome omitido por razões de privacidade familiar. Charisse teme que a vacina prejudique o sistema reprodutivo de sua filha (uma desinformação que autoridades públicas de saúde têm refutado repetidamente). “A Isabella disse, ‘O corpo é meu’. E eu disse. ‘Bem, esse corpo me pertence até você fazer 18 anos’.”

Enquanto debates legais e discussões familiares se desdobram, quem aplica vacinas em farmácias, clínicas e consultórios médicos tenta determinar a maneira de proceder quando um adolescente aparece sem os pais querendo se vacinar contra a covid.

Adolescentes de 15 anos recebem a vacina daPfizer nos EUA Foto: REUTERS/Kathleen Flynn

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“Podemos estar em uma zona legal cinzenta com essa vacina”, afirmou Sterling Ransone Jr., médico de família que vive em Deltaville, Virgínia. No sistema de saúde dele, um dos pais pode enviar um formulário de autorização assinado para que um adolescente seja vacinado. Mas em razão de a vacina contra covid estar autorizada somente para uso emergencial, o sistema de saúde exige que um dos pais esteja presente para a vacinação de um menor de 18 anos.

Adolescentes cada vez mais frustrados estão buscando maneiras de ser vacinados sem o consentimento dos pais. Alguns encontraram ajuda no VaxTeen.org, um site com informações a respeito de vacinas administrado por Kelly Danielpour, uma adolescente de Los Angeles.

O site contém orientações a respeito de leis estaduais a respeito da necessidade de consentimento para cuidar da própria saúde, links para clínicas, informações verdadeiras sobre a covid-19 e conselhos para adolescentes a respeito de maneiras de conversar com os pais.

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“Tem gente que me pede, ‘Preciso tomar vacina em alguma clínica que não exija autorização dos pais, abra em finais de semana e esteja na rota do meu ônibus. Você consegue me ajudar?’”, afirmou Danielpour, de 18 anos, que iniciará seu curso universitário em Stanford.

Ela inaugurou o site dois anos atrás, bem antes da covid. Filha de pais que atuam nas áreas de neurocirurgia pediátrica e direito intelectual, ela se deu conta de que a maioria dos adolescentes não conhecem nem o calendário recomendado de vacinação nem seus próprios direitos.

“Falamos automaticamente a respeito das opções dos pais, mas não dos adolescentes, em relação a esse tema”, afirmou ela. “Decidi que precisava ajudar.” Danielpour consultou especialistas para entender a vacinação e as leis de consentimento e recrutou adolescentes para virarem “embaixadores VaxTeen”.

“Eu quero que os adolescentes sejam capazes de dizer aos pediatras, ‘Olha, eu tenho esse direito’”, afirmou Danielpour, que dá palestras a conferências de médicos e autoridades de saúde.

Apesar de os médicos tentarem injetar confiança em relação a vacinas em pais e pacientes, não há muito o que eles possam fazer quando os pais se opõem. Recentemente, Mobeen Rathore, professor de pediatria da faculdade de medicina da Universidade da Flórida, em Jacksonville, disse a uma paciente cuja mãe se recusava a consentir sua vacinação que ela não conseguiria se imunizar antes de completar 18 anos, dali a três semanas.

“Ela se vacinou no dia do aniversário”, afirmou Rathore. “E me mandou uma mensagem dizendo que a vacina era o presente de aniversário que ela estava dando para si mesma.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL 

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