Filipinas apostam em vozes femininas para manter navios chineses longe

Presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, tem histórico de comentários machistas

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Por Redação
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MANILA - Com o aumento das tensões no mar da China Meridional, as Filipinas se voltaram para um recurso incomum para gerenciar o conflito marítimo: vozes supostamente calmantes de mulheres operadoras de rádio.

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Na última sexta-feira, 25, a guarda costeira filipina realizou uma cerimônia de formatura para uma unidade composta por 81 operadoras de rádio, chamada de Anjos do Mar. Elas terão a tarefa de enfrentar o crescente número de navios chineses que se desviaram para as zonas econômicas exclusivas dos vizinhos da China, o que os analistas veem como uma tentativa de Pequim fazer valer legalmente reivindicações não reconhecidas sobre aquelas águas.

“O comando reconhece a crescente importância de ter mulheres operadoras de rádio a bordo de navios e unidades em terra para não aumentar a tensão”, disse o vice-almirante Leopoldo Laroya durante a cerimônia. “Queremos que nossos Anjos do Mar se tornem a voz da ordem pacífica baseada em regras, especialmente nas fronteiras marítimas sensíveis do nosso país.”

Outro oficial da guarda costeira disse que as operadoras de rádio evocaram "a voz tranquilizadora de uma mãe para uma criança, ou de uma namorada ou esposa para um ente querido que enfrenta perigo".

A unidade faz parte de um esforço para empoderar as mulheres e reduzir a discriminação de gênero. Mas alguns críticos dizem que, em vez de empoderá-las, o programa as estereotipou.

“Reduzir as mulheres a negociadoras pacíficas também enfraquece o papel delas nas forças armadas”, disse Jean Encinas-Franco, especialista em Política da Universidade das Filipinas em Diliman.

Anjos do Mar terão a tarefa de enfrentar o crescente número de navios chineses que se desviaram para as zonas econômicas exclusivas de seus vizinhos Foto: Sergey Ponomarev/NYT

Ela acrescentou que não acha que a guarda costeira foi intencionalmente sexista, mas que mostrou uma compreensão "muito superficial" sobre a igualdade de gênero.

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A iniciativa Anjos do Mar foi inspirada na implantação bem-sucedida de várias operadoras de rádio filipinas, conforme informou o South China Morning Post.

Em 27 de abril, uma operadora de um navio da guarda costeira perto de Sabina Shoal — atol reivindicado pelas Filipinas e pela China — desafiou sete navios chineses.

“Embarcação estrangeira não identificada em Sabina Shoal, esta é a guarda costeira filipina. Você está dentro da zona econômica exclusiva das Filipinas”, disse Gretch Mary Acuario aos navios chineses em uma mensagem pré-gravada. “Solicitamos que você forneça nome do navio, intenção e último e próximo portos de escala.”

Em vez de responder, os navios deixaram a área, resultado que atraiu elogios do presidente Rodrigo Duterte.

O governo de Duterte está adotando uma linha mais dura em relação à assertividade chinesa no mar da China Meridional. Ao contrário de seu antecessor, o falecido Benigno Aquino III, Duterte evitou enfrentar Pequim. Mas, nos últimos meses, a capital Manila aumentou suas patrulhas marítimas.

Céticos questionaram se a ideia reduziria os conflitos no mar, por onde passa cerca de um terço do transporte marítimo internacional a cada ano.

Em entrevista à mídia local, a operadora Acuario disse acreditar que não fazia diferença ter sido uma mulher ou um homem que enfrentou as embarcações chinesas.

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O contra-almirante Ronnie Gil Gavan, responsável pela iniciativa Angels, afirmou ao South China Morning Post que as operadoras de rádio evocariam "a autoridade das esposas ou mães que permeia a cultura asiática".

Mas várias sociedades asiáticas permanecem patriarcais, argumentam ativistas dos direitos das mulheres da região. Arlene Brosas, legisladora do Partido das Mulheres de Gabriela, classificou a operação Angels como "uma tentativa inútil de mascarar a natureza sexista e misógina do governo Duterte".

As Filipinas, que já tiveram duas presidentes mulheres, costumam ter uma classificação elevada em igualdade de gênero. Mas Duterte possui um histórico de fazer comentários machistas e piadas sobre estupro.

Manila impulsionou o envolvimento feminino nas forças armadas nos últimos anos para cumprir uma resolução de 2000 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que apelava aos países para tornarem as mulheres parceiras iguais nas operações de segurança e paz.

Mas a iniciativa Anjos do Mar não é a primeira vez em que as Filipinas erram o alvo. Em 2017, as autoridades queriam enviar tropas femininas a um conflito contra militantes islâmicos. A decisão teria sido motivada, ao menos em parte, pela crença de que haveria menos probabilidade de os inimigos as matarem, disse Encinas-Franco. “Então, na verdade, eles transformaram as mulheres em escudos.” /WP

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