Violência policial deixa adolescentes entre mortos e feridos nos protestos da Colômbia

Pelo menos 19 pessoas foram mortas e centenas ficaram feridas durante dias de protestos em todo o país, com dezenas de milhares de cidadãos indo para as ruas para se manifestarem contra uma reforma tributária do presidente Iván Duque

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Por Julie Turkewitz
Atualização:

BOGOTÁ -Entre mortos nos protestos da Colômbia, há um estudante da nona série que foi à manifestação com seu irmão, um artista que levou um tiro na cabeça, o que foi capturado por câmeras, e um adolescente cujos gritos de dor da sua mãe - “filho, quero estar com você” - foram compartilhados milhares de vezes online.

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Pelo menos 19 pessoas foram mortas e centenas ficaram feridas durante dias de protestos ocorrendo em todo o país, com dezenas de milhares de cidadãos indo para as ruas para se manifestarem contra uma reforma tributária com o fim de sanar o déficit das contas públicas provocado pela pandemia.

No domingo, o presidente Iván Duque anunciou a retirada da proposta e afirmou que buscaria um novo plano, desta vez baseado num consenso. “A reforma não é um capricho, a reforma é necessária”, disse ele. Na segunda-feira, o ministro da Fazenda anunciou sua renúncia.

Manifestantes acusam a polícia de tentar sufocar os protestos com brutalidade Foto: Juan Bautista/Reuters

Mas essas decisões contribuíram pouco para apaziguar a cólera da população e os protestos se transformaram em um clamor nacional contra a pobreza crescente, o desemprego e a desigualdade provocados pela chegada do coronavírus no ano passado.

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A América Latina, e a América do Sul em particular, tem sido particularmente golpeada pelo vírus e muitos países da região se defrontam com situações fiscais terríveis se reformas não forem realizadas.

Duque é um dos primeiros a tentar resolver os problemas econômicos do seu país e a reação da sociedade colombiana não é um bom augúrio para outros líderes regionais, afirmou Sérgio Guzmán, diretor da consultora Colombia Risk Analysis.

“Este é um daqueles momentos em que uma ruptura chave na sociedade está ocorrendo. As pessoas estão fartas e despertando para o poder as ruas."

Os protestos continuaram em parte por causa da revolta com o que vários grupos de direitos humanos chamam de resposta desastrada do Estado para controlar os manifestantes.

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Vários exemplos dos abusos cometidos pela política foram gravados em vídeo nos últimos dias, incluindo um em que um rapaz é alvejado por um policial numa moto. O vídeo mostra o policial atirando contra o manifestante enquanto ele tenta escapar.

Trata-se de um jovem de 17 anos, Marcelo Agredo, da nona série da escola secundária que participava da manifestação junto com seu irmão. Ele morreu logo depois, disse o seu pai, Armando Agredo. A morte foi confirmada pelo ombudsman do país, departamento do governo que investiga violações de direitos humanos no país.

“Você não tira a vida de uma pessoa sem nenhuma razão”, disse Agredo, de 62 anos, motorista aposentado. “Queremos justiça”.

Em meio à cólera, o ex-presidente do país Álvaro Uribe, no Twitter, disse que os colombianos deviam apoiar “o direito dos soldados e policiais a usar armas para se defenderem contra terrorismo”.

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A rede social removeu sua mensagem logo depois, alegando que ela violou regras “glorificando a violência". Duque, mentor político de Uribe, colocou mais forças militares nas ruas para sufocar os distúrbios.

Os protestos começaram na quarta-feira da semana passada e nesta segunda-feira pelo menos 18 civis e 1 policial, Jesús Solano, morreram. Entre os mortos estava Jesús Flores, de 86 anos, que aparentemente morreu por causa de inalação de gás”.

Pelo menos 540 policiais ficaram feridos durante as manifestações, segundo a polícia nacional, e mais de 100 ônibus foram depredados e incendiados. A polícia identificou 17 mil pessoas que não respeitavam as medidas de saúde impostas, como uso de máscaras.

Os protestos ocorrem num momento em que o país enfrenta seu momento mais letal da pandemia, registrando números recorde de mortes nos últimos dias.

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Guzmán, da consultora Colombia Risk Analysis, disse que houve um acordo unânime no sentido de que a reforma fiscal é necessária para manter o país à tona, mas o governo esperou muito tempo para anular a proposta impopular, o que permitiu que a cólera, a frustração e o ressentimento que vinha fermentando no ano passado transbordassem.

“Agora, a cólera tem a ver com a maneira como o país vem sendo governado nesses dois anos e meio, e também com os lockdowns, com o descontentamento popular”, disse ele.

Os maiores protestos ocorreram em Cali, terceira maior cidade da Colômbia. No domingo, Nicolás Guerrero, um jovem artista, estava entre as centenas de pessoas reunidas numa área ao norte da cidade. De repente tiros foram disparados.

Laura Guerrero (D) participa de vigília em homenagem a seu filhoNicolas Guerrero, morto durante a repressão da polícia aos protestos Foto: Luis Robayo/AFP

Um vídeo granuloso, gravado e visto por muita gente, mostra gritos e confusão. Juan Gómez, advogado de 27 anos, estava na manifestação e viu quando Guerrero sangrava a seus pés. “Foi horrível. Nunca vi ninguém morrer na minha frente”, disse ele.

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“Não há nenhuma proporcionalidade”, afirmou, referindo-se à força sendo usada nas ruas. “Não tem sentido”.

Por telefone, na segunda-feira ele falou sobre o ocorrido. Estava tão furioso, disse, que pretendia voltar às ruas no fim do dia./TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO