Fracassa acordo entre Rússia e EUA; Moscou nega ação militar na Ucrânia

Sem avanço. Encontro entre Kerry e Lavrov para tentar entendimento sobre a crise e a ameaça de fragmentação do território ucraniano termina em impasse; Kiev ameaça retomar programa nuclear, abandonado em troca de proteção à sua soberania, em 1994

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Por ANDREI NETTO , SIMFEROPOL e UCRÂNIA
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O último esforço diplomático de EUA e Rússia para chegar a um acordo sobre a crise na Ucrânia fracassou, mas rendeu uma promessa: os russos não invadirão territórios no leste ucraniano. Reunidos ontem em Londres, o secretário de Estado americano, John Kerry, e o chanceler da Rússia, Serguei Lavrov, não chegaram a um pacto para evitar o referendo de amanhã, que pode determinar a anexação da Crimeia por Moscou.

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A reunião entre os dois, de mais de seis horas, terminou com poucos avanços. O mais importante foi revelado na saída do encontro, quando Lavrov descartou a hipótese de que seu país invada territórios "russófilos" na Ucrânia. "A Rússia não tem e não pode ter projeto de invadir o sudeste da Ucrânia com o pretexto de que direitos de russos, húngaros, búlgaros e ucranianos devem ser protegidos", afirmou Lavrov.

Ontem mesmo, porém, a Marinha da Rússia iniciou manobras no Mar Mediterrâneo - uma resposta ao envio de um destróier ao Mar Negro pelos EUA. Houve também novas manobras militares russas na região de Rostov, na fronteira com a Ucrânia: pelo menos 1,5 mil paraquedistas, 36 aviões e 500 veículos participaram, segundo a agência Itar-Tass.

Quanto ao referendo, as divergências entre Kerry e Lavrov ficaram ainda mais claras. "Nós respeitaremos a vontade do povo da Crimeia no curso do referendo", afirmou o ministro russo, mantendo o apoio incondicional ao Parlamento da república autônoma, também expresso ontem pelo presidente Vladimir Putin em conversa com o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon.

O Parlamento da Rússia vai analisar, dia 26, o pedido de anexação da Crimeia e de seus 2 milhões de habitantes, caso a votação confirme o desejo da população de se separar da Ucrânia.

Kerry voltou a advertir que "haverá consequências se a Rússia não mudar de via", uma referência à adoção de sanções econômicas previstas por Washington e Bruxelas. Lavrov respondeu: "Nossos parceiros ocidentais estão bem conscientes que as sanções são um instrumento não produtivo para interesses mútuos".

Embora pressionem Moscou, Grã-Bretanha, Alemanha e França não desejam embargos financeiros, energéticos ou bélicos que atrapalhem seus interesses comerciais. Ontem, em Nova York, o premiê interino da Ucrânia, Arseni Yatseniuk, alertou que seu país pode retomar o programa de desenvolvimento de armas nucleares, abandonado na assinatura do Acordo de Budapeste, de 1994, que garantiu a devolução das ogivas atômicas ucranianas à Rússia em troca de sua independência.

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"Será difícil convencer quem quer que seja no mundo a não adquirir armas nucleares", afirmou Yatseniuk, reiterando que a perda da Crimeia "mina os esforços de não proliferação".

O premiê interino propôs ainda que os dois países "iniciem negociações" - o que não aconteceu até aqui porque Moscou não reconhece o governo que depôs o presidente ucraniano Viktor Yanukovich. A resposta do embaixador da Rússia na ONU, Vitali Churkin, foi conciliatória, mas sem abrir espaços para negociações. "A Rússia e os russos não querem guerra. Estou convencido de que os ucranianos também não", disse.

A mobilização do Conselho de Segurança pode resultar na votação de uma resolução contra o referendo na Crimeia e em apoio à integridade territorial da Ucrânia. Se de fato ocorrer, o procedimento será simbólico, já que, como um dos cinco membros permanentes, a Rússia tem direito de veto.

O objetivo de EUA, França e Grã-Bretanha é obter uma abstenção da China, o que isolaria a Rússia no cenário diplomático internacional. Ontem, o embaixador chinês na ONU, Liu Jieyi, deu a entender que pode contrariar os interesses de seu parceiro histórico e apoiar "a necessidade de respeitar a soberania e a integridade territorial da Ucrânia".

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