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França ajudará Líbia a armar-se e a ter reator atômico de uso civil

Por Gilles Lapouge
Atualização:

O presidente da França, Nicolas Sarkozy, deu seus primeiros passos diplomáticos recorrendo a dois ingredientes bastante raros: rapidez e ubiqüidade. A ubiqüidade: esse homem não parece estar submetido à lei dos fusos horários. Ele está em toda parte ao mesmo tempo. Assinalam sua presença em Berlim, mas ele está em Madri ou em Trípoli. Quanto à rapidez, é a da luz: 24 horas após a libertação, mediada pela França, de cinco enfermeiras búlgaras e de um médico palestino das prisões da Líbia, Sarkozy já estava em Trípoli dando tapinhas nas costas de Muamar Kadafi. Com a outra mão, ele tirava da pasta acordos espantosos entre a França e a Líbia. Nada a dizer. Os ingleses, italianos e alemães já se curvavam diante de Kadafi enquanto as enfermeiras búlgaras ainda estavam em seu inferno líbio. Mesmo os americanos, que há alguns anos quiseram matar o "terrorista Kadafi", mas erraram o alvo, fazem fila diante do tirano da Líbia. O fato de Sarkozy também se curvar não tem nada de chocante, portanto. Isso não impede que sintamos certa repugnância quando vemos o francês todo mel, todo sorrisos, diante desse dândi do deserto que já foi um terrorista internacional e continua sendo um chefe de gangue tentando cobrar o máximo para a libertação de seus reféns. Os acordos Sarkozy-Kadafi são vastos. Há um pouco de cultura, um pouco de universidade, um pouco de pesquisa. Mas, no meio desse lindo buquê, está uma flor possivelmente venenosa: um acordo de defesa e da indústria de defesa. Em outras palavras, a França vai ajudar o terrorista aposentado a organizar seu Exército e armar-se. E isso não é tudo. Outro acordo prevê a entrega, pela França, de um reator nuclear. É desnecessário dizer que esse reator não terá uso militar. Ele apenas visa a permitir que a Líbia, um país seco e carente de água, instale imensas usinas de dessalinização de água do mar. A França ganha em dois planos: a Areva, maior empresa da indústria nuclear, vai vender seus talentos técnicos (como fez com os megacontratos assinados no ano passado com a China); e o subsolo da Líbia contém bastante urânio, matéria-prima que começa a faltar. A Líbia tem um estoque de 1.600 toneladas de urânio e seu subsolo esconde grandes reservas dele. Sarkozy se justificou: "Se dizemos que a energia nuclear civil está reservada à margem norte do Mediterrâneo e afirmamos que o mundo árabe não é suficientemente responsável para ter energia nuclear civil, nós o humilhamos e prepara-se uma guerra de civilizações." Exato. Acrescentemos que essa entrega de uma central nuclear combina com uma idéia muito cara a Sarkozy: a criação de uma "União Mediterrânea" que abarcaria as duas margens do Mediterrâneo Ocidental. De fato, um dos problemas da margem africana do Mediterrâneo é a falta de água. Se Kadafi, graças à energia nuclear, conseguir fornecer água dessalinizada a seus vizinhos, isso seria motivo de felicitações. "A água talvez seja para o Mediterrâneo o que o aço foi para a Comunidade Européia" nos anos 50, disse Sarkozy. Tudo isso é certo. Mas não é menos certo que a energia nuclear para uso civil pode derivar, mediante algumas tecnologias refinadas, para a produção de energia nuclear para uso militar.

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