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França articula união mediterrânea

Com criação de novo bloco, Sarkozy pretende aumentar influência francesa no norte da África e no Oriente Médio

Por Andrei Netto e PARIS
Atualização:

Em menos de 15 dias, o presidente francês Nicolas Sarkozy, a primeira-dama Cécilia Sarkozy, o chanceler Bernard Kouchner e Claude Guéant, secretário-geral do Palácio do Eliseu, se alternaram em viagens a países do norte da África. Mesmo que cada visita tenha razões próprias, todas visam a um objetivo: divulgar um projeto político que terá a França como líder. Sarkozy está articulando o lançamento em 2008 de uma comunidade de Estados do Mediterrâneo, embrião da futura União Mediterrânea, bloco comercial e político que pretende encabeçar. A pedra fundamental do novo projeto está prevista para ser lançada no primeiro semestre do próximo ano, pouco antes do início do mandato de Sarkozy à frente da União Européia. A proposta, já em fase de negociação diplomática, é baseada na redução de tarifas alfandegárias entre países situados no entorno do Mar Mediterrâneo, mas deverá resultar, em médio prazo, na criação de instituições próprias, como presidência rotativa, parlamento e Banco Central - a exemplo da União Européia. Limitado pelas divergências culturais entre a Europa cristã e os vizinhos muçulmanos, o projeto pretende estabelecer acordos políticos e econômicos multilaterais na região que signifiquem um grau de comprometimento maior que o existente entre países do Mercosul, mas menor do que o existente na União Européia. Sarkozy parte de um pressuposto: se antes da queda do Muro de Berlim e da derrocada do bloco comunista o mundo se dividia entre o Oeste, capitalista, e Leste, socialista, desde os anos 90 as relações internacionais se dão mais no eixo Norte-Sul. Daí o interesse pela União Mediterrânea. Sarkozy quer a França atenta ao desenrolar da União Européia, mas voltada aos países do sul europeu, do norte da África e do Oriente Médio, cuja capacidade de desenvolvimento acelerado são maiores. Nos bastidores, o corpo diplomático francês tem convicção de que os "tigres" econômicos dos próximos 40 anos estão em torno do Mar Mediterrâneo. "O melhor cenário é estreitar os laços com o Oriente Médio e, a seguir, com a África. O Mediterrâneo servirá como uma zona de transição econômica. As margens norte e sul do mar serão a saída para a futura crise da Europa, que do contrário envelhecerá, perderá mão-de-obra e desenvolvimento", disse ao Estado o economista Jean-Louis Guigou, diretor-geral do Instituto de Perspectiva Econômica do Mundo Mediterrâneo (Ipemed) e um dos conselheiros de Sarkozy em política externa. Com o novo bloco, Sarkozy pretende que a França amplie sua capacidade de exercer influência política, econômica e cultural em uma região com a qual já é historicamente ligada. Além da relação com suas ex-colônias, o Palácio do Eliseu fomenta há décadas laços políticos estreitos com a Síria e o Líbano. Ao bloco se somariam, além de França, Argélia, Marrocos, Tunísia, Líbia, Líbano e Síria, Espanha, Portugal, Itália, Grécia, Chipre, Malta, Turquia, Egito, Jordânia e Israel. Em termos econômicos, a união permitiria intensificar as trocas da Europa com os países africanos e árabes. Sobre energia, por exemplo, a França propõe tecnologia para obtenção de energia nuclear civil em troca da garantia de suprimento de petróleo e gás. Um acordo semelhante - e polêmico - foi assinado com a Líbia há poucas semanas e resultou em uma outra vitória diplomática de Sarkozy: a libertação das cinco enfermeiras búlgaras e de um médico palestino retidos pelo governo de Muamar Kadafi. Vários governos mostraram-se simpáticos ao projeto. Sem peso político em instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) e preteridos dos grandes blocos comerciais, os Estados africanos vêem na sedução francesa uma oportunidade. Sarkozy vem conseguindo convencer governos do norte da África de que a imigração para a Europa - um problema para a França, mas uma esperança para os africanos e árabes - não é bom negócio para ninguém. O presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, ficou encantado pelo discurso francês: "Nós temos um futuro comum."

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