França e México brigam por uma bela ruiva

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Por GILLES LAPOUGE
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Nesse momento existe um clima de confronto entre dois grandes países amigos, a França e o México. E quem começou a escaramuça? Uma jovem de 36 anos, Florence Cassez, uma ruiva muito bonita. Mas o que essa dama tão doce, que inspirava tanta confiança, teria feito para jogar um contra o outro os dois chefes de Estado: o mexicano Pedro Calderón, e o francês Nicolas Sarkozy? Segundo o México, que a prendeu em 2005, Florence participou com seu "noivo" Israel Vallarta, bandido e narcotraficante, de vários sequestros, da prisão de três reféns - entre eles uma criança de 10 anos - e até mesmo da tortura de um dos três. Terrível! Só que depois ficou provado, conforme até o México reconheceu, que o filme em que aparecia a prisão de Florence era uma "reconstituição", uma encenação realizada por Genaro Garcia Luna, que na época era o chefe da polícia mexicana e posteriormente se tornou ministro da Segurança Pública. Em 2008, a francesa foi condenada pela Justiça mexicana à pena absurda de 60 anos de prisão. Sarkozy indignou-se, ficou possesso. Em junho de 2009, telefonou para Florence na prisão: "Estão zombando de nós. Eu, Nicolas Sarkozy, não a abandonarei. A tirarei daí". Não tirou. Ao contrário: no dia 11, o Tribunal de Recursos do México rejeitou a apelação. Era a última chance. Se não houver um milagre, essa mulher de 36 anos ficará presa por 60 anos e em uma penitenciária do México, porque o país recusou a Florence sua "transferência" - a possibilidade de cumprir sua pena na França. Na sexta-feira, o presidente mexicano afirmou à Televisión Azteca que não se sujeitará às pressões "totalmente arbitrárias e indignas" feitas por "caprichos de pessoas ou grupos". O governo de Calderón alega que o presidente nunca prometeu à França aplicar a Convenção de Estrasburgo no caso de Florence. Sarkozy está furioso. De pavio curto, explosivo, vingativo, contra-atacou. Utilizou o fato de 2011 ter sido intitulado o "Ano França-México" com numerosos intercâmbios culturais, etc... Num primeiro momento, Paris se decidiu pela suspensão do evento. Mas, depois, refletiu: o ano França-México seria mantido - e dedicado a Florence. Daí foi o México que se irritou. Calderón avisou que, nesse caso, o país se retiraria das comemorações. Estava instalada a crise. Florence é a vítima de um confronto de egos. Certamente, a investigação mexicana é mal feita e viciada: os procedimentos foram distorcidos. E é evidente que o presidente Calderón - incapaz de pacificar seu país, onde reinam os acertos de contas, a droga e os assassinatos -, usa o caso Florence para mostrar sua firmeza contra os traficantes. A indignação de Sarkozy vem daí. Mas, como costuma acontecer, sua emotividade e incapacidade de refletir só pioraram as coisas. A falta de sutileza do presidente francês foi a grande chance para Calderón. Todo o México se levantou contra a arrogância da França, que ignora a "soberania" do México e pretende dar ordens como se os mexicanos fossem um bando de mafiosos. A indignação da opinião pública do México foi unânime. Os jornais do país publicaram editoriais cheios de ódio lembrando que, no século 19, o imperador Napoleão III, sobrinho de Napoleão Bonaparte, teve a ideia insensata de invadir o México. Até mesmo os espíritos mais esclarecidos desancaram esses insuportáveis franceses. O grande escritor Carlos Fuentes disse: "Sarkozy se comporta como um ditador de republiqueta de banana em nome da popularidade". Decididamente, perguntamo-nos se Sarkozy é um político tão esperto como pretende ser: aí estava um caso favorável a ele, levando em conta as trapaças da polícia mexicana e a irrealidade do tamanho da pena. Pois, com toda gesticulação, vaidade, caretas, arrogância e amadorismo, Sarkozy conseguiu ceder a vantagem a Calderón no caso. Finalmente, sem dúvida por causa dos conselhos dos seus assessores, o presidente francês acabou compreendendo a besteira que havia feito. Agora, Sarkozy tenta apagar o incêndio que provocou e gostaria de encontrar um meio de restabelecer o famoso "Ano França-México" em 2011. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA É CORRESPONDENTE DO "ESTADO" EM PARIS

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