Frustração pode definir votos no Japão

Para os eleitores, partido governista distanciou-se dos interesses das pessoas comuns e aliou-se às corporações

PUBLICIDADE

Por Cláudia Trevisan
Atualização:

A insegurança em relação ao futuro e a frustração com a política tradicional são os mais potentes combustíveis da decisão dos japoneses de tirar do poder a legenda que governou o país pelos últimos 54 anos de maneira quase ininterrupta, dos anos do milagre do pós-guerra à debacle econômica da década de 90. Se as pesquisas de opinião estiverem corretas, o Partido Liberal Democrático (PLD) sofrerá hoje uma histórica derrota nas urnas, que deverá consagrar o oposicionista Partido Democrático do Japão (PDJ), cujas promessas incluem o pagamento de generosos benefícios sociais nas áreas de educação, saúde e previdência social. A simples eleição de uma legenda oposicionista já é uma enorme mudança em um país que começava a ser apontado pelo governo da vizinha China como exemplo de como é possível ter uma democracia em um sistema de partido único. Se a provável futura gestão do PDJ não frustrar os japoneses além do razoável, a eleição de hoje pode marcar o início de um autêntico bipartidarismo. O Japão que elege hoje um novo Parlamento também vê sua importância no cenário internacional diminuir, com a redução do peso relativo de sua economia e a emergência da China como potência. Mas o que mais interessa aos japoneses atualmente é o que ocorre no país. Aos olhos dos eleitores, o PLD do premiê Taro Aso distanciou-se dos interesses das pessoas comuns e criou alianças sólidas com a burocracia estatal e as poderosas corporações do país. Apesar de o Japão ter registrado crescimento médio anual de 1,7% no período de oito anos entre 2000 e 2007, a percepção da população é a de que a expansão beneficiou as grandes empresas e os bancos. Os salários, que já vinham caindo antes da crise econômica mundial, sofreram sua maior contração em duas décadas em junho. O desemprego agravou-se e atingiu o recorde de 5,7% no mês passado, o mais alto patamar desde o fim da 2ª Guerra. Outro fator de insegurança é o gradativo desaparecimento do sistema de garantia de emprego por toda a vida que prevaleceu até o fim dos anos 90. Os jovens não têm mais a promessa de estabilidade que foi feita a seus pais e avós e enfrentam um mercado de trabalho cada vez mais precário.Um terço da população economicamente ativa possui contratos temporários ou de meio período e a rotatividade entre os jovens é extremamente alta quando comparada à das gerações anteriores. "As pessoas estão muito mais inseguras do que há dez anos em relação à economia e ao governo", afirma o pequeno empresário Michishita, de 41 anos, que votará na oposição. Mesmo com a queda na demanda interna registrada antes da crise global, as grandes empresas japonesas continuaram a lucrar, já que podiam exportar grande parte de sua produção. A dependência do mercado externo tornou o país especialmente vulnerável ao terremoto que se abateu sobre a economia mundial há um ano. No quarto trimestre de 2008 e no primeiro trimestre de 2009, o PIB contraiu-se em mais de dois dígitos a uma taxa anualizada. O indicador recuperou-se no período de abril a junho, quando cresceu 3,7%, mas a questão é como manter a expansão em um cenário de baixa demanda global. Nesse ponto, as propostas dos dois partidos são radicalmente distintas. O PDJ, que lidera as pesquisas, propõe a concessão direta de benefícios às famílias e a adoção de medidas que aumentem a renda disponível da população. Além do pagamento mensal de benefícios aos que tiverem filhos, a legenda defende a elevação do valor das aposentadorias, a gratuidade do ensino secundário, a melhoria da saúde pública e o fim da cobrança de pedágios nas estradas. Na concepção do governista PLD, a recuperação virá por meio do estímulo à atividade empresarial. A principal receita dos liberais para impulsionar a recuperação do país é o investimento em obras públicas de grande porte, como estradas, ferrovias, portos e aeroportos. As duas propostas envolvem gastos e há dúvidas se o Japão poderá realizá-los. O país tem a maior dívida pública entre as nações desenvolvidas, em torno de 200% do PIB.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.